Dossiê "Cinema Japonês Contemporâneo e Desconhecido" (I) : Gaichu, de Akihiko Shiota

Gaichu
de Akihiko Shiota
Dom 13 abril
***

Quando a gente acaba de ver um filme como Gaichu, a primeira coisa que nos vem à cabeça é que não é à toda que o cinema japonês é o maior cinema do mundo. Só o Japão (talvez mais um ou outro país do Oriente, o que dá no mesmo) poderia fazer um filme como Gaichu, um filme pequeno, até irregular, mas cuja impressão não sairá da minha alma tão cedo.

O diretor japonês Akihiko Shiota é um total desconhecido no Brasil. Gaichu, seu terceiro filme, de 2001, passou no FICBrasília, e provavelmente esta foi a única exibição de um filme se no país. No entanto, é bem considerado em seu país de origem, e participou de alguns festivais de renome, como Locarno e Rotterdam. Todos os seus filmes sem exceção (aguardem brevemente comentários sobre os memos) tratam da mesma questão: o desafio de jovens ou adolescentes em se tornar adultos, em ter vida própria num Japão contemporâneo.

Gaichu não é exceção. O plot é simples: menina de 13 anos tenta tocar a vida para frente após seu pai ter abandonado a casa e sua mãe tentar suicídio. Visto assim, poderíamos imaginar um imenso dramalhão, ou situações-clichê envolvendo “jovens incompreendidos” ou “dramas familiares”. Mas acontece que há uma diferença: Gaichu é feito no país que faz o maior cinema do mundo.

O grande centro de interesse em Gaichu é que o desenvolvimento da narrativa não se dá a partir de ações, mas sim a partir de pequenas sequências que mostram sensações da jovem Sachiko (Aoi Miyazaki). Mas Gaichu não chega a ser radical como o típico cinema contemporâneo. Sua narrativa é toda calcada nos princípios do cinema clássico. Acontece que a delicadeza com que o diretor abraça a narrativa e o quanto ele transforma pequenas ações, mínimos gestos e meios-olhares de sua protagonista tornam Gaichu um filme extremamente cinematográfico e encantador.

Gostaria aqui de postar alguns planos em que o estilo de Shiota se manifesta, mas meus parcos conhecimentos de informática me impossibilitaram “colar” aqui alguns frames vistos do DVD. São vários: é um filme composto de pequenos fragmentos mas que conseguem ter uma independência e ao mesmo tempo uma organicidade – fato extremamente raro para filmes que se prendem. Uma corrida à noite, que num corte seco, continua pelo dia claro; uma caminhada por sobre os andaimes de um prédio abandonado; um breve instante em que quase se é atropelado; etc, etc, etc.

Gaichu mostra os problemas de uma adolescente. Mas como o cinema pode mostrar o seu mundo, solitário, introspectivo, ambíguo? É essa a especialidade do cinema japonês: dominar a distância precisa em que devemos nos aproximar do universo dessa jovem e ao mesmo tempo manter uma distância, mas não porque “perto não vemos com precisão”, mas simplesmente porque é preciso manter uma distância respeitosa. Outro elemento é a extrema consciência dessa difícil tarefa que é o ato de sobreviver a cada dia, diante dos nossos limites e dos limites da vida.

Shiota dá um enorme abraço afetuoso nessa personagem, desenvolvida com enorme simplicidade e brilhantismo por Aoi Miyazaki, atriz que já nos havia encantado com o Eureka, de Shinji Aoyama. Todas as soluções de Miyazaki são a partir de uma economia em que “o menos diz mais”. Um recurso típico é quando ela sorri após uma pessoa a salvar com um laser vermelho de um suposto cara que a abordaria. Ela sorri por dentro; sua fisionomia mal se move. Mas nós percebemos que ela sorri, que toda sua expressão muda. Como descobrimos, não sei, só sei que o descobrimos.

Pessimista, ligeiramente sombrio, Gaichu, como a filmografia de Shiota, é uma reflexão sobre os problemas de uma geração, que tenta buscar uma autonomia diante de uma sociedade conservadora. Mas o que nos encanta nesse desconhecido filme é o talento com que Shiota abraça sua protagonista através de uma narrativa difusa, composta de pequenos brilhantes momentos, que nos fazem viver de forma muito particular as dificuldades daquela menina em sobreviver, com um silêncio, uma sabedoria e uma sobriedade que buscam sempre a essência ao invés da superfície, e que fazem de Gaichu um dos exemplos de porquê o cinema japonês é o maior cinema do mundo.

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