Estômago

Estômago
De Marcos Jorge
Unibanco Arteplex 5 sex 21:40
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Co-produção ítalo-brasileira do estreante Marcos Jorge, que já havia dirigido alguns curtas bem interessantes, de perfil mais experimental, Estômago é um filme que poderia ter feito tranquilamente 200 mil espectadores se o mercado de exibição não fosse tão distorcido no Brasil. Nessa relação curiosa entre sexo e comida, o filme de fato tem um certo tempero de um cinema italiano provocativo, em especial o célebre A Comilança, de Marco Ferreri. Mas o que poucas pessoas apontaram é que mais que explorar o instinto como mola propulsora da natureza humana (o sexo e a gula), esse lado animalesco dos personagens, Estômago afinal se revela uma fábula amarga sobre o poder, e é exatamente esta constatação que nos chega a partir de um final ambíguo, que provoca uma certa indisgestão on espectador. Vamos em partes.

O nordestino Raimundo Nonato (interpretado brilhantemente por João Miguel) chega à cidade grande e acaba indo trabalhar num boteco. Seu talento culinário (especialmente sua coxinha) transforma o pacato boteco num point do local, que o faz ser contratado por uma cozinha italiana do local, onde ele tem lições de gastronomia com um verdadeiro chef italiano. Nesse meio-termo ele se apaixona por uma prostituta do local, famigerada pelos dotes culinários de Raimundo.

Acontece que essa história é narrada por meio de um flashback nada convencional, o que dá uma grande agilidade narrativa ao filme. O “tempo presente” é na verdade na prisão, onde Raimundo tem sua vida facilitada por saber cozinhar bem e satisfazer seu chefe (Babu Santana) e transformar a vida dos moradores da cela daquela prisão. O filme corta entre essas duas narrativas, de forma que o espectador se pergunta o porquê de o pacato Raimundo Nonato acabar na prisão, já que sua vida parece cada vez mais promissora.

Ao final, num verdadeiro clímax, finalmente descobrimos o porquê, e ao mesmo tempo acontece um incidente na prisão, num banquete que Raimundo Nonato prepara para o chefe de seu chefe (representado por Paulo Miklos). A formidável composição dos personagens, o excelente roteiro (a composição dinâmica entre as duas narrativas) e especialmente os diálogos (são os melhores diálogos do cinema brasileiro que lembro em muito tempo) tornam Estômago um filme eficiente, sem nunca ser vulgar ou cair em lugares-comuns.

Mas a grande surpresa está no final, que desagradou a muita gente, mas evidencia o talento de Marcos Jorge. A idéia do final é causar uma “verdadeira indigestão” nas pessoas bem-comportadas que estão vendo “um filme ágil e divertido”. Ao final, Marcos Jorge faz uma profunda reavaliação de seu personagem, fazendo uma conclusão severa, dura. É quando o filme revela suas intenções: mais que compor uma “historiazinha sobre um cozinheiro”, ele propõe um olhar profundo sobre o processo de “amadurecimento do personagem em viver na cidade grande”, como ele é levado pelas circuntâncias da vida a abandonar a generosidade e se transformar numa pessoa leviana, a não mais acreditar na possibilidade do afeto e sim no poder. Ou seja, como a vida levou a que seu coração endureça. É nesse ponto que as duas histórias se unem. Não chegamos a ter raiva desse protagonista, mas um pouco de pena, porque seus sonhos na vida se transformaram em chegar num ponto mais alto de um beliche. O poder, sempre o poder, e por fazer uma crítica madura e inusitada do poder, Estômago se revela uma das grandes surpresas do cinema brasileiro deste ano.

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