Dossiê "Cinema Japonês Contemporâneo e Desconhecido" (II) : tokyo.sora, de Hiroshi Ishikawa

tokyo.sora
de Hiroshi Ishikawa
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Hiroshi Ishikawa é um diretor pouco conhecido até mesmo no Japão, e dirigiu até o momento apenas dois filmes, ambos bem elogiados: tokyo.sora (2002) e Su-ki-da (2006). Ambos abordam o universo feminino com muita sensibilidade. Em seu filme de estréia, tokyo.sora, Ishikawa compõe uma espécie de mosaico dos relacionamentos humanos no Japão contemporâneo, através do ponto-de-vista de seis mulheres solteiras de cerca de trinta anos, a partir de suas buscas pessoais e profissionais, sua solidão. As seis histórias são vistas de uma forma independente, entrecruzadas a partir da montagem, que organiza tramas paralelas, mas ao mesmo tempo compõe camadas independentes, sem a preocupação de relacionar uma história à outra. tokyo.sora tem em comum com Gaichu o olhar de um Japão contemporâneo do ponto de vista feminino, calcado na solidão e na dificuldade do afeto. Mas além da diferença de faixa etária entre as protagonistas, em tokyo.sora o estilo buscado por Ishikawa se aproxima mais do cinema contemporâneo. Não há propriamente plot no filme, e sim o compartilhamento de alguns momentos dessas mulheres, com a ênfase em tempos fracos e grandes momentos de silêncio. Em comum com o cinema de Shiota, Ishikawa demonstra grande sensibilidade e delicadeza ao retratar um universo feminino com um cinema essencialmente de observação, convivendo e habitando junto com suas personagens, com poucos momentos de ação propriamente dita.

É curioso como Ishikawa trabalha a geografia física de suas locações como um espelho de suas personagens. Grande parte do filme se passa em interiores, com as mulheres dentro de suas próprias casas. Autônomas, essas mulheres não vivem mais com seus pais. Vivem em pequenos apartamentos em Tóquio, em conjugados apertados onde a direção de arte se esforça em mostrar a confusão e o empilhamento de objetos no interior desses apartamentos. Ainda assim, a câmera guarda uma “distância respeitosa” típica do cinema japonês, quase “pedindo licença” por invadir uma certa intimidade. Mesmo com planos “mais relaxados” que o estilizado Gaichu, é possível notar o rigor no enquadramento nos interiores, e como os “planos vazios” da casa assumem uma função formal típica do cinema japonês desde a época de Ozu. Nos exteriores, o cenário se reflete, mostrando o deslocamento dessas personagens em relação ao caos da cidade. De dia, o indivíduo quase como um átomo, perdido diante da multidão; à noite, sua solidão em ruas sombrias.

Seja em espaços públicos ou privados, no turbilhão da cidade ou no interior de seus próprios apartamentos, na esfera pessoal ou profissional, as mulheres de tokyo.sora buscam sobreviver diante dos fantasmas da solidão, do fracasso e da dificuldade em expor seus sentimentos. O estilo de Ishikawa é o do cinema da observação, singelo e delicado, respeitoso em invadir a intimidade de suas seis personagens, no entanto bastante revelador da distância entre os corpos e as almas no Japão contemporâneo. Para um filme de estréia, uma grande revelação.

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