Ave Candeias (II): Meu Nome é Tonho

Meu Nome é Tonho
De Ozualdo Candeias
Caixa Cultural ter 01 20hs
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Após a grande repercussão de crítica de seu surpreendente primeiro longa – A Margem – o que fazer em seguida? Repetir os recursos do primeiro filme? Não para Candeias. Seu próximo projeto de longa-metragem se insere de forma ambígua no cinema de gênero, com um apelo nitidamente mais comercial. O resultado é mais um trabalho singular: Meu Nome é Tonho. Singular em sua estranheza, em sua beleza mórbida, em sua crueza poética. Meu Nome é Tonho é uma mistura brasileira de alguns aspectos do cinema de John Ford e de Samuel Fuller, mas sem deixar de ser brasileiro, e sem, em nenhum momento ser uma espécie de chanchada ou paródia a este cinema. É uma espécie de revisitação própria. O que Meu Nome é Tonho tem em comum com A Margem, no entanto, é uma incorporação do espaço físico no modo de ser dos personagens. Com grande parte das cenas em externas, Candeias apreendeu a grande lição do western e trouxe para o seu cinema particular: o espaço físico e o percurso tornam-se o mote de uma visão de cinema.

Através de uma narrativa pontuada de algumas elipses importantes, assim como havia sido em A Margem, Candeias faz uma espécie de refilmagem de Rastros de Ódio, com duas partes distintas: a primeira, pelo ponto de vista do grupo bandido; a segunda, pelo ponto de vista do justiceiro. Ao final, num duelo, o justiceiro enfrenta o chefe do grupo bandido, quando percebemos que as histórias de ambos se cruzam, a partir da sequência do início do filme. A mudança de ponto de vista, sutil e integrada à narrativa, possui uma relação com a estratégia de construção de A Margem, toda construída em planos ponto-de-vista em seus primeiros quarenta minutos. Mas em Tonho ao invés do plano ponto-de-vista, agora temos o ponto de vista da narrativa, o que é um tanto diferente.

A caracterização do grupo de bandidos é singular. É um grupo sanguinário, de bandidos cafajestes, tipicamente “vilões”, mas ao mesmo tempo há uma certa ingenuidade nas aventuras do grupo que paradoxalmente atrai a nossa simpatia. São quase crianças, ligeiramente loucos, que fazem arruaças. Outra coisa curiosa é a caracterização das mulheres: elas apanham, mas parece que elas conhecem as regras e gostam de participar desse jogo. Há uma certa perversão que Candeias explora, mas de uma forma ingênua. Nisso há diversas cenas que nos lembram dos filmes de Samuel Fuller, na combinação entre amor e ódio, a principal delas é quando o chefe do grupo bandido faz amor com sua companheira, em que eles se batem e se beijam na cama. Há outra cena antológica em que dois cavaleiros se encontram no meio da estrada e percebem que seus cavalos querem transar, e o filme mostra isso (em 1969) bem antes dos arroubos de um Borowczyk. É o cinema do Dovzhenko mas com o calor tropical do interior do Brasil.

A narrativa poderia resultar em um filme que caísse na psicologia ou que reiterasse as motivações dos personagens através de flashbacks: não é o caso do cinema de Candeias, que prefere o percurso físico, um cinema cru, mas que ao mesmo tempo é entrecortado por um tempo um tanto mais largo, uma apreciação às vezes idílica desse espaço físico (o que é intensificado pelo uso da bela música), criando um filme com sutis modulações e repleto de paradoxos. Feios, sujos e malvados mas com uma beleza singular – o grupo de bandidos é o auto-retrato desse diretor ainda incompreendido. Ao final, o justiceiro solitário recupera as lições do cinema de John Ford com o cinema de Charles Chaplin: ele segue solitário na estrada deixando sua amada (sua irmã) para trás, sem lhe revelar a verdade, porque a vida é muito dolorosa. Plano que resume a beleza trágica do cinema de Candeias.

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