(uma pausa) Rambo, First Blood

Rambo
De Ted Kotcheff
DVD fevereiro 2008
***

Queria falar com mais calma sobre o filme, que revi há mais de dois meses, mas a correria do dia-a-dia me impediu de escrever um texto mais cuidadoso. Fiquei com uma grande impressão após a revisão de Rambo, coisa que queria ter feito já há bastante tempo. Me pareceu um filme de grande urgência sobre a questão da verdade e da justiça. Quem é que nunca teve vontade de explodir com todo um sistema ao receber uma lufada de injustiça ou intolerância? Rambo me disse muito nesse desejo solitário desse peregrino errante, tentando sobreviver após os traumas do passado, e sendo alijado por um bufão que esbanja autoridade e poder. Muitas coisas de Rambo me fizeram lembrar do meu curta O Posto, em relação ao absurdo da autoridade e sobre a impossibilidade da solidão. Mas o que marca o filme é esse ódio, esse sentimento de vingança desse policial que quer destruir Rambo a todo o custo e acaba se destruindo por causa disso. A única coisa que Rambo quer é ser deixado em paz, em sua solidão, mas o poder exige que ele cumpra normas um tanto absurdas. E ele se revolta contra isso. E sua revolta tem força justamente porque ele foi treinado por esse mesmo sistema para ser um monstro. O mesmo monstro que em circunstâncias particulares pode levar à destruição desse mesmo sistema.

É com base nesse paradoxo que Rambo se revela não só um filme sobre a solidão do indivíduo esmagado diante de um sistema poderoso, mas também um filme político, filme cada vez mais atual sobre uma paranóia de ser norte-americana, sobre as “contra-indicações” do American way of life. Para quem ainda não sabe, Rambo é um veterano de guerra do Vietnã que vai a uma cidadezinha do interior dos EUA para visitar um antigo companheiro e descobre, por sua mãe, que ele está morto (uma bela cena). Cambaleando, ele caminha errante pelas ruas da cidade, até que o xerife o interpela, e descobrindo que ele não tem rumo, o expulsa da cidade, ignorando o seu suposto direito “de ir e vir”. Após a resistência de Rambo, que volta à cidade, o xerife o prende, e isso faz encadear, em tons crescentes, uma série de acontecimentos que vão transformar a vida daquela pacata cidade “num verdadeiro inferno”. Rambo, sozinho, é capaz de liquidar com toda a cidade. Ele é um produto do sentimento de guerra americano, e foi treinado para destruir, mas agora voltou da guerra e não tem função alguma no modo de vida americano. Ele é uma anomalia que o sistema precisa esquecer. Esse é o paradoxo: ele é um fruto do sistema que agora precisa ser esquecido.

O tom crescente do clima de desespero do filme anuncia o tom de paranóia bélica, e o filme é muito bem centrado em cima de seu paradoxo: a besta humana, uma espécie de “A Bela e a Fera” ou King Kong pós-guerra do Vietnã. Com isso, o filme tem diversas cenas na floresta muito bem filmadas dada uma logística não muito trivial de filmagens nessas condições. Mas o que surpreende em Rambo é o desenvolvimento das motivações dos personagens, é o lado humano da história que está sempre em primeiro plano. Além do drama de Rambo, o xerife não é mostrado como mera caricatura do mal. Suas motivações são inclusive muito dignas: ele tenta manter desesperadamente o modo de vida conservador daquela cidadezinha, ou seja, o xerife luta pelos seus princípios, que nenhum forasteiro vai poder tirar, seja ele quem for. A determinação do xerife chega a ser comovente mas por outro lado deixa florescer o lado vaidoso e fútil do poder.

Mais de 25 anos depois, Rambo continua muito atual. Devido ao enorme sucesso de bilheteria, é um filme subestimado, esquecido, mas por outro lado existem críticas bem favoráveis ao filme. Mas isto não me importa muito. O que mais me surpreendeu em Rambo foi como esse indivíduo solitário pode destruir todo um sistema de poder. “Você sabe com quem está falando?” É como se Rambo tivesse invertido a pergunta. Pelo menos no cinema podemos acreditar nisso, e as cenas de Rambo na floresta, mudo, introvertido, mas forte, resistente me soam muito pertinentes sobre a possibilidade de resistência. O que não é nada pouco, especialmente em se tratando de um filme do mainstream hollywoodiano.

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