Ave Candeias (VII): Caçada Sangrenta

Caçada Sangrenta
de Ozualdo Candeias
Caixa dom 13 16hs
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Para quem ainda tem alguma suspeita de que Candeias é um diretor “primitivo”, Caçada Sangrenta comprova que o estilo típico de Candeias é pura opção, já que neste exemplar mais próximo do cinema de gênero, o diretor domina com folgas o ritmo narrativo. É curioso vermos uma sequência de perseguição de carros filmada por Candeias, com todos os raccords e pontos de referência. Diálogos sincados, campos-contracampos, etc. Novamente Candeias demonstra sua maestria em dominar a geografia dos espaços físicos como força motriz de uma dramaturgia. A história nos lembra de longe o recente Onde os fracos não têm vez e mais uma penca de filmes de gângsters: o personagem de David Cardoso encontra uma mala com dólares e foge para o interior de Mato Grosso, pois além de mafiosos que querem a mala, ele é acusado do assassinato da dona da mala. Nessa fuga, há todo um cinema da ação física, do deslocamento espacial, de um cinema do percurso que Candeias domina tão bem. A incorporação do espaço físico, a ausência de diálogos (embora mais presentes que a média de filmes do diretor), a não-psicologia dos personagens fazem desse filme de aventuras um passeio discreto e eficiente pelo cinema de gênero, ímpar em se tratando da filmografia de Candeias. Passatempo fértil, entremeio delicioso, viagem telúrica e desafio de sobreviver: o périplo de David Cardoso atravessa o Planalto Central ao meio, até o clímax final, em que se encontram o protagonista, a lei e o bandido mafioso frente a frente, no meio de uma aldeia indígena (?!) no coração do Brasil. É quando vem a lição ética do cinema de Candeias, um final sugestivo, que dialoga de forma ambígua com o próprio A Margem, que já é o suficiente para afastá-lo do “elogio da miséria humana” típico do cinema dos Irmãos Coen. Antes, no entanto, um relance ousado, quase de gênio: Cardoso marca um encontro no cinema com uma garota, e assiste a um institucional, típico exemplar da “Lei do Curta” da época, em que se exaltam as construções governistas, da mesma forma como Candeias ele próprio já o havia feito alguns anos atrás. Misto de metalinguagem e sátira política, o “institucional dentro do filme de encomenda” mostra a versatilidade de Candeias: acima de tudo Caçada Sangrenta nos mostra que Candeias é um cineaasta no sentido pleno do termo, pois qualquer carne de terceira passa a ser motivo de celebração da possibilidade do ato da criação mesmo em territórios um tanto estrangeiros.

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