[FESTBRASÍLIA] ASSALTO À BRASILEIRA
[COBERTURA DO 58º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO 2025]
ASSALTO À BRASILEIRA
de José Eduardo Belmonte
A
seleção deste filme de José Eduardo Belmonte surpreendeu a muitos dos críticos
presentes neste Festival de Brasília. Não propriamente pela presença de
Belmonte, um cineasta brasiliense com enorme identificação com o Festival, mas
pela própria proposta do filme, um produto tipicamente comercial com valores de
produção e códigos estéticos que contrastam frontalmente dos demais filmes
exibidos neste evento. Um filme que nos parece ser muito mais de “produtor” do
que um filme de “diretor”.
Mas não seria esse um
preconceito do campo cinematográfico em relação ao cinema comercial? Ora, a
própria Cahiers du Cinéma fez história ao defender a autoralidade de filmes
improváveis, produções do seio da indústria norte-americana que, mesmo diante
da aderência estrita aos códigos do cinema de estúdio, conseguiam transcender
sua vocação de meros produtos industriais e alcançaram patamares sofisticados
em relação ao cinema de invenção.
Qual o gesto da curadoria de Brasília
ao selecionar esse filme? Aproximar-se em hype do star system à la Festival de
Gramado e deixar os vestígios de “tiradentização” para a mostra Caleidoscópio,
ou propor, de forma provocativa, uma problematização da suposta dicotomia entre
cinema de autor/cinema industrial brasileiro?
É curioso começarmos o texto com
esse ponto, pois as experiências de assistir Assalto à brasileira numa sessão da Mostra Competitiva principal do
Festival de Brasília é radicalmente diferente de vê-lo em uma sessão comum em
um multiplex de shopping, após o lançamento comercial do filme. O filme
continua o mesmo (são os mesmos planos rs) mas o meio contamina radicalmente a
mensagem: esse é o efeito e impacto das curadorias.
Defendo muito a ideia da curadoria como uma forma de reunir filmes, de modo que o contexto influencia a leitura do conjunto. Ou seja, quando reunidos em conjunto, cada filme acaba ressoando mais do que se estivesse sendo exibido isoladamente. Mas o que dizer de uma curadoria que exibe de Xingu à margem a Assalto à brasileira?
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No entanto, até mesmo pelo seu
orçamento, este filme de Belmonte se aproxima de um filme B. Ele não está
preocupado propriamente na espetacularização dos efeitos como subproduto de um
filme de ação nem mesmo no planejamento articulado das ações dos bandidos, aos
moldes de um The Killing (o filme de
Kubrick de 1956, com a ressalva de que se trata de um hipódromo, e não um
banco). Ou, ao contrário, de um Onze
homens e um segredo (Soderbergh, 2001, em cassinos), os bandidos não são
criaturas notáveis, cheias de glamour, adrenalina e senso de aventura, mas
simplesmente pessoas comuns. Nesse aspecto, pela falta de preparo dos bandidos,
estamos mais próximos da atmosfera de Um
dia de cão (Lumet, 1975).
Mas, como dizíamos, Belmonte não
está preocupado na espetacularização do filme de ação nem tampouco num mergulho
psicológico do universo do banditismo. Em vez disso, o foco do filme é nas
relações sociais que transbordam a partir desse ato de exceção. Sem um plano
definido para uma ação tão complexa, o grupo de bandidos acaba sendo
influenciado por um jornalista, interpretado por Murilo Benício, que se oferece
a mediar as negociações entre ladrões e polícia. Ele o faz não propriamente
para salvar vidas mas especialmente interessado no acesso privilegiado a
informações para escrever uma grande matéria.
Os bandidos se tornam simpáticos
(libertam mulheres grávidas e pessoas com dificuldade de locomoção, pedem
sanduíches para todos, etc.) e se tornam quase amigos dos reféns. O filme se
concentra, portanto, nessas relações sociais improváveis, de modo que os
bandidos se veem próximos dos reféns. Roubando dos ricos para dar aos pobres,
os ladrões, em meio ao assalto, começam a formular frases de efeito, defendendo
a ação social do assalto. E o mais curioso é que, nos créditos finais do filme,
vemos depoimentos dos verdadeiros reféns que confirmam: a ideia não foi uma
criação de Bayão/Belmonte, mas, sim, algo que os próprios bandidos disseram.
No fundo, isso nos lembra da
famosa frase de Brecht: "O que é o crime de assaltar um banco comparado
com o crime de fundar um?”.
Por um lado, a polícia de
Londrina parece despreparada e pouco preocupada em defender o patrimônio
privado. Sua única preocupação é que a situação termine logo. Por outro lado,
Belmonte valoriza o fato de o assalto ter se tornado um grande evento, que
transformou a rotina da pacata cidade. Milhares de pessoas se aglomeraram em
frente ao banco, e a mídia, principalmente a televisão, fez uma cobertura ao
vivo. As imagens em VHS dão dinamismo e criam uma conexão entre a narrativa e
as cenas.
O roteiro de L.G. Bayão é hábil
para criar diversas etapas que prolongam o suspense e jogam a narrativa para
frente (ir ao banheiro, os sanduíches, o uísque, a congtagem das notas, a
quantia errada, etc.), mas, ao mesmo tempo, não há muitas novidades em termos
dos recursos mais típicos e desgastados do gênero. Os personagens são
razoavelmente rasos e pouco interessantes em seus contornos psicológicos ou
conflitos e dramas. O bandido Moreno, líder do grupo, é simpático mas pouco
explorado ou desenvolvido. Bem como seu principal parceiro, que parece ser um
pouco mais violento. A mulher grávida do jornalista insere algum elemento de
ligação entre o policial e o jornalista, criando um antagonismo até certo ponto
cômico. Em vez de ser um filme de ação violento focado em um crime, a narrativa
aposta em recursos que o tornam mais leve para o público. O roteiro utiliza
toques de comédia e explora as relações sociais, o que diferencia a obra de um
típico filme de ação.
O título é muito bem escolhido: Assalto à Brasileira indica que o crime
é sui generis, assim como o próprio
Brasil. A frase parece ser um comentário sobre o próprio filme, que se
diferencia das produções de ação de Hollywood ao abraçar o improviso e a
gambiarra típicos do cinema brasileiro. Com essa metalinguagem, que remete à
chanchada, o filme se apresenta como um “cinema comercial à brasileira”.
O caráter chanchadesco desse
filme fica mais evidente se o colocarmos lado a lado com Assalto ao Trem Pagador, o clássico de 1962 de Roberto Farias.
Enquanto o filme de Farias representa o típico cinema industrial e comercial,
esta obra, por sua vez, abraça a leveza e os toques de humor que são
característicos da chanchada. Se Belmonte tivesse subvertido ainda mais o
roteiro de Bayão com mais elementos chanchadescos—fazendo a ação dar
completamente errado e a polícia parecer ainda mais despreparada—, a farsa
sobre o subdesenvolvimento do Brasil teria ficado mais escancarada. Assalto à Brasileira talvez seja “correto”
demais para sua própria proposta. Me parece que o público busca (seja o público
do filme quanto o público do assalto, que se acotovela na porta do banco) é
justamente aquilo que sai do controle, o que é atípico e se distancia dos
padrões de Hollywood. O jornalista, por exemplo, poderia ter um fim trágico,
como em A Montanha dos Sete Abutres
(Wilder, 1951), o que serviria como uma crítica direta à obsessão da imprensa.
No entanto, o roteiro de Bayão, a direção de Belmonte e a própria produção
optaram por um caminho mais seguro e menos polêmico, tornando todos os
personagens, até mesmo o policial de Miklos, agradáveis ao público.
Ao final, Assalto à Brasileira soa como um filme correto, sem grandes
surpresas, com bom ritmo e dinâmica interna. É curioso por propor um olhar
sobre as relações sociais dentro da estrutura de um subgênero do cinema. No
entanto, se o avaliarmos com a lente da Cahiers du Cinéma—para justificar sua
inclusão em um festival de cinema—, sentimos falta de um maior desejo de
cinema, de uma mise-en-scène que vá além do ordinário. Embora seja bem
executado, falta-lhe uma maior audácia cinematográfica. Pois, se os bandidos
pareceram comunistas, no fundo ao final o sistema se manteve ileso.
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