FESTIVAL DE BRASÍLIA 2025: UM BALANÇO
[COBERTURA DO 58º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO 2025]
FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO: UM PRIMEIRO BALANÇO
Após alguns anos oscilantes, com
problemas de financiamento e descontinuidades, o Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro (FestBrasília) tem buscado recuperar o seu protagonismo diante do
calendário de festivais no cinema brasileiro, especialmente diante da primeira
exibição no país de filmes brasileiros. No ano passado, uma equipe, liderada
pela direção-geral de Sara Rocha e a direção artística de Eduardo Valente,
assumiu o festival por um período de três anos. Já no ano passado, primeiro ano
da dupla, além de um conjunto instigante de curadores-pesquisadores de longas e
curtas que moldaram a programação, vimos um festival muito mais pulsante em
termos de sua proposta de curadoria e programação em torno do pensamento
crítico. Pelo menos três filmes excelentes foram exibidos em 2024 entre os
longas da Competitiva Principal: Suçuarana (MG), de Clarissa Campolina e Sérgio Borges; Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá (MG), de Sueli Maxakali, Isael Maxakali,
Roberto Romero e Luisa Lanna; e Salomé
(PE), de André Antonio. Entre os curtas, obras como Chibo (RS), de Gabriela Poester e Henrique Lahude; Mar de Dentro (PE), de Lia Letícia; Confluências (DF), de Dácia Ibiapina; Kabuki (SC), de Tiago Minamisawa; Dois Nilos (RJ), de Samuel Lobo e
Rodrigo de Janeiro e E Seu Corpo é Belo
(RJ), de Yuri Costa mantiveram o excelente nível dos longas. Além desses,
destaca-se a criação da Mostra Caleidoscópio, com cinco longas em competição.
Neste segundo ano da parceria entre
Sara e Valente, além da manutenção da maior parte da equipe de curadoria, o
festival prosseguiu sua trajetória de consolidação. No entanto, a safra de
longas e curtas infelizmente se revelou menos potente. É difícil para um
festival afirmar uma identidade própria, em meio ao calendário cada vez mais
extenso de outros festivais e, claro, à oferta de filmes inscritos, disponíveis
para a seleção. O Festival de Brasília segue sua tradição de consolidar (e
também influenciar) um Zeitgeist, ou seja, de trazer à pauta do momento os
debates e o pensamento crítico do cinema brasileiro de invenção. Ao mesmo
tempo, pela sua enorme tradição e relevância, um conjunto de disputas estão em
jogo para propor um perfil adequado para o festival. Ou seja, o desafio do
Festival de Brasília é buscar uma identidade própria entre as tendências de
“tiradentização” e de “gramadização”. Utilizo esses termos com a consciência de
que se tratam de termos grosseiros, mas que espelham, a grosso modo, os
desafios de um festival hegemônico como Brasília em consolidar um perfil
próprio, que se complemente a outros festivais que já estabeleceram suas marcas
distintivas, e que, ao mesmo tempo, prossigam a enorme tradição que esse Festival
já possui.
Nesse
aspecto, acredito que o maior desafio do festival está em que grau incorpora,
na sua programação principal, os debates sobre as ações afirmativas. A
contra-hegemonia já se tornou, em muitos casos, uma hegemonia dentro de um
campo específico do cinema brasileiro. É claro que é fundamental que nós, como
sociedade, avancemos muito mais em termos do combate à discriminação e em torno
do reconhecimento dos direitos associados aos grupos sociais subrepresentados,
em torno do cinema militante, do cinema queer LGBTQIAP+, dos cinemas trans,
negros, de mulheres, de indígenas e quilombolas, entre outros grupos vulnerabilizados
pela ótica dominante hegemônica. Ao mesmo tempo, não quero, em hipótese alguma,
reduzir a enorme diversidade e pluralidade das pautas dos movimentos de luta,
resistência e resiliência de populações atacadas e violentadas pelo status quo,
em torno de um rótulo unificante, que é sempre redutor.
Ao
mesmo tempo, em 2025, creio que já possuímos um corpus suficiente de filmes
para que possamos, a partir deles, construir um pensamento crítico que busque
não apenas acolher e promover empatia mas também refletir criticamente sobre
suas visões de mundo e modos de ser, inclusive com a possibilidade de
problematizar suas construções e apontar seus impasses e paradoxos internos.
Pois sabemos que, para transformar o mundo e o cinema brasileiro, é preciso
mais que boas intenções. E porque acredito que, somente assim, poderemos
avançar para além de nossas próprias bolhas.
Creio
que o maior desafio de um festival que busca disseminar o pensamento crítico,
como é o Festival de Brasília sob essa nova direção, é estimular um ambiente
propício para o debate de ideias, valorizando o dissenso –, claro, sempre de
forma respeitosa e civilizada. Estimular um ambiente para que esse debate seja
possível é fundamental, e isso acontece não apenas exibindo filmes, mas com um
conjunto de ações acessórias e complementares, como debates, textos, mesas – e
trazendo para o evento convidados específicos e relevantes, com um perfil de
pesquisadores/pensadores, que se complementem ao perfil de jornalistas hard
news de um programa típico de assessoria de imprensa (o que é também necessário
e fundamental para um festival do nível de Brasília).
A
Mostra Caleidoscópio também consolidou-se como um importante espaço de
complementação dos filmes exibidos nas sessões noturnas, com destaque para
filmes que privilegiam uma pesquisa em torno da invenção e da investigação de
processos criativos não hegemônicos. Talvez, entre os cinco filmes exibidos, Nimuendajú, de Tania Anaya, tenha
destoado um pouco mais dessa proposta, pois, ainda que o traço da animação
tenha seu caráter inventivo, ele apresenta uma estrutura de narrativa
biográfica mais convencional, além de apresentar um modelo de produção e de
financiamento mais robusto e consolidado. De todo modo, Nosferatu, de Cristiano Burlan; Palco Cama, de Jura Capela; Atravessa Minha
Carne, de Marcela Borela; e Uma Baleia
Pode Ser Dilacerada Como Uma Escola de Samba, de Marina Meliande e Felipe
M. Bragança são quatro filmes bem interessantes e diferentes que, cada um ao
seu modo, oferecem caminhos complementares para o cinema independente de
invenção.
A mostra competitiva de longas no
Festival abriu e se encerrou com dois filmes muito diferentes mas que
curiosamente se aproximam: Morte e Vida
Madalena, de Guto Parente (CE) e Futuro
Futuro, de Davi Pretto (RS). Parente e Pretto pertencem à geração de
realizadores que surgiu no cinema brasileiro pós-retomada e partilham de alguns
referenciais estéticos e éticos comuns, apesar de situados em dois extremos do
país, o Ceará e o Rio Grande do Sul. São filmes produzidos por duas produtoras
que têm caminhado de forma muito sólida dentro do cinema de invenção
brasileiro, dialogando com curadorias internacionais: a Tardo Filmes (CE) e a
Vulcana (RS). Tenho tanta admiração por esses diretores quanto por essas
grandes produtoras (Ticiana Augusto Lima e Jessica Luz/Paola Wink, que talvez
não tenham o reconhecimento que merecem.
Achei coerente que o prêmio
principal do festival tenha sido para Futuro Futuro, pois, entre os sete filmes exibidos, foi o que desenvolveu de forma
mais coerente uma articulação entre seus pressupostos em torno de sua visão de
mundo e seus preceitos de realização cinematográfica (uma integração orgânica e
criativa entre o parti pris com o universo em si do cinema de invenção).
Prosseguindo uma certa tendência do cinema mundial e brasileiro, o filme parte
de um diálogo tênue com certos recursos do cinema de gênero (o fantástico, a
distopia com toque de ficção científica) para incorporar uma vertente do cinema
de fluxo, relacionada à primazia da criação de uma ambiência cinematográfica em
oposição à busca por uma narrativa de identificação e causa-e-efeito. O desejo
político do filme em abordar o estado do mundo, em torno de uma certa alienação
e divisão dicotômica, nunca é retratado de forma didática, panfletária ou
paternalista, mas, ao contrário, se revela um ponto de partida para examinar
uma angústia, um sentimento de dúvida ou deslocamento, por meio de uma
investigação com potência cinematográfica, com climas e ambiências que reforçam
um cinema de busca ou de deriva, mais do que de respostas prontas ou de
diagnóstico social direto.
Talvez Futuro Futuro esteja mais próximo de Estranho caminho (2024), filme anterior de Guto Parente. Neste seu
novo filme, Morte e vida Madalena, é
surpreendente como Parente apresenta um certo clima de entremeio (pausa/folga/”férias”)
de seu caminho mais típico de investigação (o fantástico dentro do comum
familiar) para fazer uma ode ao cinema de garagem brasileiro, aos moldes de uma
comédia dos primeiros filmes de Nanni Moretti. Tudo isso com um toque
irresistivelmente brasileiro: os dilemas do artista criador não são vistos como
sofrimento romântico ou vazio existencialista aos moldes de um Precauções diante de uma prostituta santa
(Fassbinder, 1971) ou O Estado das coisas
(Wenders 1980), mas de uma forma leve e bem-humorada. Rindo das suas próprias
impossibilidades, Morte e vida madalena
é uma chanchada, que mostra como é trágico e belo fazer/viver de cinema no
Brasil. O incrível desse filme, aparentemente ingênuo mas no fundo complexo e profundamente
pessoal, é como Guto articula um filme a princípio fora de sua pesquisa
principal com um conceito intimamente relacionado às suas origens: as dores e
delícias do cinema em coletivo, a relação gregária entre cinema e vida. Morte e vida Madalena é um Inferninho (Parente e Diógenes, 2018) mas
agora sem tédio ou melancolia: um filme de maturidade, aparentamente “sem
estilo”, sem ter que impressionar ou provar que se sabe filmar bem. O bar, o
lar, agora é o set de filmagens. E, assim como em Estrada para Ythaca (Alumbramento, 2010), do luto se parte para uma
jornada rumo à criação em coletivo, rumo à vida. Talvez um filme mais de
roteiro do que de ambiências, ao contrário do filme de Pretto. É curioso também
notar que, mesmo com uma carreira consolidada, é a primeira vez que um filme
dirigido por Parente é selecionado para o Festival de Brasília, entre curtas e
longas. Dos Prettis ao Pretto, é apenas um passo rs.
Ainda que muito diferente do filme
de Guto Parente, Assalto à brasileira,
de José Eduardo Belmonte, é também uma outra chanchada, “avacalhando” de forma
bem-humorada as relações de trabalho no Brasil. Mas agora não estamos no
terreno do cinema independente e de sua trupe circense de artistas, e sim do
proto cinema industrial brasileiro e de sua gangue de ingênuos trapaceiros
fora-da-lei.
Provocativa,
a seleção desse filme de Belmonte – um cineasta com grande identificação com a
cidade e com o Festival e que cada vez mais migrou do cinema independente para
o cinema industrial – levantou questionamentos por ser um filme de perfil mais
industrial que artesanal, sendo um “peixe fora da curva” (sic). Ao mesmo tempo,
mesmo com suas limitações, o filme nos leva a problematizar essa dicotomia
entre “cinema autoral” e “cinema comercial”, inserindo um debate no interior
desse campo.
Diferentemente
da trupe de Guto, os simpáticos fora-da-lei do filme de Belmonte não brigam
entre si. O debate não é interno ao grupo, como um coletivo, mas na relação
entre o grupo e o Outro – o sistema hegemônico (a polícia, o banco). É um
terceiro (um jornalista) que promove essa mediação. Já no filme de Guto, as
disputas são internas; tudo se expressa no relacionamento interpessoal. O afeto
alimenta mas também destrói. É curioso notar que não apenas o cinema B
independente é mambembe, mas o próprio projeto do cinema industrial brasileiro
também o é.
Me
interesso pelo filme do Belmonte justamente pelo termo “à brasileira”. Não se
trata apenas de um “assalto à brasileira”, mas de um “filme à brasileira”, ou
ainda, um “cinema comercial à brasileira”. Assalto
à brasileira também poderia ser intitulado como “Roubar ou Correr”. Num momento em que o cinema comercial cada vez
mais se estrutura em torno de blockbusters de filmes fantásticos de grandes
super herois, o tom escrachado dos “anti-herois comuns” do filme de Belmonte
revela que o projeto industrial do cinema brasileiro sempre foi e continua
sendo um projeto “à brasileira”.
É
a partir desse ponto que busco aproximar um filme totalmente distante do
projeto de Belmonte: Xingu à margem. Assim
como o filme de Belmonte é “à brasileira”, este filme de Wallace Nogueira e
Arlete Juruna é “à margem”. Assalto à margem ou Xingu à brasileira – seriam
duas possibilidades de enxergar entrecruzamentos entre dois filmes tão
distantes: de um lado, o cinema comercial brasileiro com o star system de
Murilo Benício; de outro, um documentário de cinema militante com Dona
Raimunda, ribeirinha que perdeu tudo com a construção da Usina de Belo Monte. O
projeto industrial do cinema brasileiro e o sistema b(r)ancário agora oferecem
sua contraface: o projeto desenvolvimentista-capitalista brasileiro e suas
obras de grande porte no interior do país. Esse corajoso documentário mostra o
terrível impacto na vida dos ribeirinhos, a partir de uma crítica a dois
universos hegemônicos na cultura de esquerda: o governo Dilma e os indígenas. O
projeto Xingu também é “à brasileira”, no sentido em que o filme expõe todas as
negociações que tornaram um projeto com essa magnitude possível, todas as
gambiarras políticas realizadas e suas trágicas repercussões. O filme revela os
paradoxos do processo de desenvolvimento brasileiro, mas aqui utilizando os
instrumentos do cinema militante: a escuta, a observação, o tempo de espera, a
filmagem-tocaia, o esconderijo. Ao mesmo tempo, ainda que bem intencionados e
razoavelmente interessantes, me pareceu que faltou tanto ao filme de Belmonte
quanto ao de Nogueira/Juruna maior ousadia e originalidade em suas estratégias
de abordagem para aprofundar caminhos instigantes para seja o cinema comercial
brasileiro de autor seja para o cinema militante brasileiro contemporâneo.
Outro documentário exibido na
seleção é Aqui Não Entra Luz, de
Karol Maia (MG). Ele é um documentário sobre as opressões sofridas a partir das
relações de trabalho das empregadas domésticas no Brasil, mas possui um ponto
de partida relevante: ele é realizado pela filha de uma doméstica. Assim,
estamos no terreno dos lugares de fala, em que, fruto das transformações de
democratização do audiovisual brasileiro, a filha de uma doméstica pode não
apenas cursar uma universidade pública mas se tornar uma cineasta. Estamos numa
borda entre o documentário social e o cinema em primeira pessoa, uma vez que a
própria realizadora insere sua posição no interior do filme, e sua mãe se torna
uma das mulheres entrevistadas. Com estratégias formais quase opostas ao belo Doméstica (2012), de Gabriel Mascaro, o
filme de Karol Maia acaba utilizando seu lugar de fala para compor um painel
social de identificação e intimidade com esses mulheres, reduzindo o potencial
de análise crítica da relação entre casa grande e senzala. O mérito do filme se
localiza muito mais no seu parti pris
do que propriamente em como a linguagem do cinema documental é utilizada para
propor relações críticas sobre o universo social retratado. O filme foca mais
na comoção e na empatia por meio de personagens afetivas do que em uma análise
social mais complexa do universo retratado. Com isso, a obra perde potência,
pois limita a imaginação dessas mulheres à sua estratificação social, em vez de
investigar o que elas ainda assim podem ou desejam.
Quatro Meninas, de Karen Suzane (RJ) também é outro filme de uma
realizadora negra em seu primeiro longa-metragem, que também tem como ponto de
partida uma questão relacionada às ações afirmativas. Nesse filme de ficção de
época, quatro jovens negras, ao fugir de um pensionato, acabam tendo a
companhia de outras quatro jovens brancas, estabelecendo um choque de
perspectivas, em especial porque agora as negras não querem mais servir às
brancas. No entanto, se as meninas buscam fugir da casa grande, o filme de
Karen Suzane em nenhum momento busca fugir da casa grande do cinema brasileiro.
Ainda que a diretora possua um lugar de fala não hegemônico, todas as opções –
de financiamento à mise en scène – do filme respiram um lugar
institucionalizado. É duro perceber que uma jovem cineasta negra, tendo esse
tema em mãos, realizou um filme que parece uma mistura de O Guarani de José de Alencar com uma telenovela das seis, denotando
uma narrativa e linguagem institucionalizadas e uma conclusão conciliatória,
abafando a violência dos conflitos.
Os
dois filmes realizados por estreantes negras apontam para alguns dos impasses
do cinema afirmativo brasileiro. Infelizmente esses filmes não apresentaram
alternativas potentes em relação a como dar vida aos modos de ser de
comunidades vulnerabilizadas, expressando olhares e corpos dóceis/adestrados sem
maior potência, reduzindo os imaginários de suas protagonistas a lugares muito
bem acomodados dentro das estruturas de legitimação do nosso cinema. Ou seja, faltou
imaginação, ousadia e rebeldia para que esses filmes assumam potência diante do
universo tão rico que os filmes abordam. Esses filmes não apontaram caminhos
interessantes ou sólidos na investigação dos universos afirmativos, redundando
em um impasse.
Por fim, o último filme aqui
analisado é uma grande ilha no corpo do cinema brasileiro de hoje. Corpo da Paz é realizado por Torquato
Joel (PB), um dos mais importantes realizadores do cinema nordestino, que, por
conta das descontinuidades das políticas culturais do nosso cinema, conseguiu
dar continuidade ao seu pensamento crítico apenas por meio de curtas-metragens
e por meio dos cursos e oficinas ministrados em pleno sertão paraibano, que
contribuiu para formar jovens talentos no cinema paraibano. Desde Passadouro (1999), antológico curta
filmado ainda no século passado, Joel vem desenvolvendo um cinema de poesia de
grande rigor formal, que examina os paradoxos dos espaços geográficos e humanos
do interior do Nordeste, e ainda os limites da religião na liberdade dos
corpos, em curtas como Transsubstanciação
(2013), Gravidade (2006), Moído (2016), e tantos outros. Em Corpo da Paz, um filme que resume a
trajetória poética desse realizador, a crítica à macropolítica imperialista
norte-americana se funde a um olhar íntimo sobre a repressão desenvolvida pelas
instituições, seja pela família ou pela Igreja. (Mas ao mesmo tempo a família e
a Igreja também podem emitir sinais de empatia. E o pesquisador opressor também
pode ser uma vítima de seu próprio regime – problematizando as dicotomias
prévias). Esses temas são abordados por por meio de um cinema austero de rigor
formal, de grande consciência de linguagem, em termos de sua decupagem,
enquadramentos e especialmente de suas ambiências sonoras. Elipses narrativas,
recursos brechtianos, potência do extracampo, preto-e-branco formalista,
coragem em abordar a sexualidade na infância.... recursos que, em conjunto,
tornam Corpo da Paz uma ilha isolada no
cinema brasileiro de hoje. Um olhar pessoal bem diferente do Zeitgeist do
momento. E que bom que o Festival também abra espaço para um cinema pessoal de
invenção, à parte das principais “tendências” do atual momento do cinema
brasileiro...
Infelizmente,
neste balanço que já está um tanto longo, não tive fôlego para analisar a
seleção dos curtas. Senti que houve nitidamente uma preocupação em conferir uma
maior diversidade geográfica (curtas de estados como AC, PI, AL, MT) e também
temática, em torno especialmente das questões afirmativas. No entanto, em
geral, o panorama oferecido careceu de maior potência em termos de
possibilidades de investigações éticas ou estéticas dos universos abordados,
com algumas exceções. A meu ver, os destaques foram Safo, de Rosana Urbes (SP) e Dança
dos Vagalumes, de Maikon Nery (PR) – dois curtas que buscam uma abordagem
poética em torno dos seus objetos de pesquisa, e que talvez por isso tenham
passado despercebido. Outros curtas como Laudelina
e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini (RJ) e Ajude Os Menor, de Janderson Felipe e Lucas Litrento (AL) também
tiveram destaque.
Gostaria de encerrar este balanço
com uma frase (entendedores entenderão!), estrategicamente posicionada não no
início mas ao final do texto: se você não foi ao Festival de Brasília 2025,
talvez este texto tenha revelado algum spoiler rs! Vida longa ao Festival de
Brasília! E que venha a edição de 2026!
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