(FESTRIO 16) o filme póstumo de Nemescu
California Dreamin´,
de Cristian Nemescu
** ½
Esse filme de estréia de Cristian Nemescu, vencedor do Câmera d´or em Cannes 2007, confirma a boa fase do cinema romeno, com um item trágico a ser lembrado: o diretor morreu num acidente de carro após as filmagens, sendo quase um filme inacabado (o que talvez justifique a sua longa duração, que poderia ter sido enxugada). De qualquer forma, um filme maduro, de difícil realização, pois o filme tem mudanças de tom e sequências de decupagem nada triviais que o filme realiza com muito frescor: um primeiro filme em cinemascope, com muitas externas, e ao mesmo tempo com uma câmera na mão, e com um trabalho de grande liberdade de fotografia e montagem, que realmente impressionam. Também ficamos pensando que, de uma certa forma, Nemescu dialoga com uma certa tradição do cinema da Europa Oriental, em fazer um filme político que fale das relações de poder, usando grandes pitadas de humor negro, num tom que lembra por exemplo o cinema do polonês Andzrej Munk (só que Nemescu é mais escrachado). Mas aqui a produção é caprichada, e há o diálogo com o estrangeiro. Soldados americanos ficam presos numa estação de trem num vilarejo da Romênia, porque o chefe da estação local não autoriza sua passagem por faltarem documentos. O filme se torna uma comédia de equívocos mostrando o absurdo da guerra e da burocracia, expondo ao ridículo as diversas facetas dos personagens (o comandante americano, o prefeito, o burocrata local), e o filme trabalha de propósito com essas caricaturas, mas vai bem além dela. Atendo-se aos personagens, temos um “soldado solidário” (o mocinho do filme), uma menina revoltada (que lembra de leve a menina de Como Festejei o fim do Mundo), o menino CDF, etc. Ou seja, o filme tem uma proposta ambiciosa de fazer um certo painel do atraso da Romênia e da pequenez de um certo mundo mas também de denunciar a pequenez de um outro mundo, muito maior (isto é, o que um vilarejo da Romênia e os Estados Unidos têm em comum – veja a ironia de dizer que são duas “cidades-gêmeas”). Com isso, faz uma crítica política contundente, atual, mas também interessada em observar os passos desses jovens à procura de tentar dizer algo uns aos outros (a cena ápice desse contato é o baile, quando os pares são formados sem que se fale a mesma língua). Debruçando-se em várias frentes, Nemescu faz um filme que às vezes pode parecer confuso, às vezes ambicioso, às vezes superficial em sua caricatura, às vezes repetitivo, mas que sempre impressiona pelo tom corrosivo e pela segurança do diretor estreante em dar um tom particular a cada seqüência, especialmente aquele tom ácido característico dos filmes da Europa Oriental. E tbem pela grande liberdade da câmera, que impressiona. No final, toda essa receptividade aos estrangeiros que nos faz pensar num ingênuo congraçamento só é construída para ser rompida de forma brutal no final do filme, o que reafirma o tom crítico do filme sobre os jogos de poder que perpetuam o atraso e a destruição dos pequenos locais, embora Nemescu conclua com um certo tom esquemático.
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