(FESTRIO 12) Antes que eu esqueça

Antes que eu esqueça
De Jacques Nolot
Estação Botafogo 1 dom 24hs
***½
.
Uau, dizer algo sobre este filme logo após a sessão, às 2 da manhã. Bom,
decerto que o filme não teve a catarse de Silenciosa Luz, mas na verdade
este foi o filme que mais me causou um impacto neste festival, porque está
mais próximo das coisas em que venho trabalhando e buscando em meus próprios
trabalhos. É um filme pequeno, simples, mas ao mesmo tempo é um trabalho
profundamente vigoroso. Um "drama da terceira idade" (talvez o anti-drama da
terceira idade se pensarmos em baboseiras como O Jantar ou Do Outro Lado da
Rua), escrito, dirigido e atuado (melhor que estrelado) pelo próprio Jacques
Nolot, diretor francês muito pouco conhecido por aqui. Se as comparações são
válidas, podemos nos lembrar do cinema de João Cesar Monteiro, pelo rigor,
pela exposição pessoal, pelos momentos de comédia sutil. Mas ao mesmo tempo,
é tudo diferente: Nolot faz um drama realista que parece ter muitos
elementos autobiográficos, mas o filme não é só isso, já começando pelo
estonteante prólogo em cinema abstrato, um círculo negro que avança sobre um
fundo branco, como se fosse uma íris out. É como se fosse a morte negra
avançando pelo branco da vida, e quando a tela fica completamente escura
entra o título, Antes que eu esqueça. Os primeiros quinze minutos são de um
rigor absurdo, descrevendo a rotina desse senhor de quase sessenta anos em
sua casa, acordando de madrugada para fazer café e escrever algo, com uma
luz de penumbra que não dá para esquecer. Ele é um escritor, e provavelmente
escreve algo baseado em sua própria vida, então é como se fosse o filme
falando do seu próprio processo de gênese. Aos poucos somos introduzidos a
esse universo de solidão e às poucas pessoas que circundam a vida desse
escritor: os garotos de programa, o analista, os mesmos três amigos, o
amante ausente. Sempre as mesmas preocupações: o dinheiro, a solidão, o
tratamento contra a AIDS, o sexo, a falta de inspiração para escrever, a
falta de coragem para ir ao Pigalle. Com esse material simples, Nolot enche
de angústia um filme sobre esse tempo de espera em direção à morte, mas
também com algum humor, geralmente sarcástico. Com isso, Nolot faz um filme
melancólico mas que nunca busca a compaixão do espectador por esse
personagem, mas quer que simplesmente convivamos com ele. Pierre não tem
relações explosivas, temperamentais: mantém-se numa certa serenidade ao
longo de todo o filme. Os tempos, a precisão do enquadramento e do corte
(quando é necessário, os tempos são mais largos mas apenas na medida certa,
vide o fantástico penúltimo plano, na porta da entrada) mostram a maestria
de Nolot que busca um cinema de dramaturgia, mas muito mais aberto a
capturar os desafios de viver desse personagem, um cinema de uma "melancolia
serena", auto-consciente e madura, como todo o percurso desse protagonista
que enche a tela. Por fim, um final fantástico, desses que ficam conosco
depois do filme. Um final doloroso, síntese de todo o difícil percurso do
filme: a necessidade de continuar enfrentando desafios como possibilidade
única de manter-se vivo vem acompanhada da humilhação em perceber que muitos
deles não poderão ser superados, pela nossa natural (inevitável) decadência
física, psicológica e emocional. Grande filme.

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