(FESTRIO) Ele é um pai

Ele é um pai
De Yasujiro Ozu
MAM ter 18:15
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Algumas anotações esparsas sobre Ele é um pai


O que significa ser um pai?

Como um pai pode demonstrar amor a seus filhos? Se o filme fosse brasileiro, o pai demonstraria agarrando o filho e dando beijos, ou ainda comprando uma bola pra ele jogar com os amigos. Sendo o filme do japonês Ozu, o pai demonstra sem que o filho o saiba, provavelmente sem tocá-lo fisicamente. No máximo, botando uma batata no prato do filho.

E se a maior prova de amor de um pai a um filho é manter-se distante dele?

O que é mais incrível no filme é como o filho se esforça para ser digno de receber uma palavra de conforto do pai. Como o filho se dedica para estar à altura do pai. Como o filho se empenha para poder afinal estar ao lado do pai.

Ao mesmo tempo em que o pai parece não estar nem aí para o filho (muda de profissão, faz o filho sofrer com sua escolha de mudar de cidade, etc), todos os atos do pai são de amor a esse filho.

Essa flor só pode desabrochar se houver uma distância. Só a partir da distância esse filho pode conseguir abraçar esse pai (retomo a introdução das minhas colunas na revista etcetera sobre kieslowski...)

Todo o filme é um percurso humano na possibilidade de esse filho e esse pai poderem se abraçar.

No final, esse abraço no meu ponto de vista não foi possível, porque o pai morreu. Porque a vida termina, porque as pessoas apodrecem por dentro e morre. Porque a gente tem que lidar com a finitude das coisas, com a efemeridade da natureza humana.

Então a gente se pergunta: valeu todo esse esforço do pai e do filho? Será que todo esse esforço não foi inútil?

Por um lado sim, indiscutivelmente, e acho que Ozu aponta para isso. Sim, porque “tudo é fugaz”, porque “não há nada de permanente no mundo embaixo do sol” (como o dizer que abre O POSTO).

Mas por outro lado não. Por que não? Não sei dizer. Mas sinto que por um lado todo esse esforço não é vão. Sinto a partir do filme mas não sei explicar muito bem.

Numa outra dimensão, como os Irmãos Pretti colocaram muito bem, Ozu é um pai. Essa analogia é maravilhosa, porque o cinema de Ozu é exatamente isso. É duro para conosco, os espectadores. Não nos dá as coisas de bandeja. Precisa de um esforço grande nosso para apreender sua mensagem, porque ele não se entrega às futilidades da imagem nem se deixa seduzir pelas “ilusões do rebuscamento”. Precisa de um trabalho de devoção, sacrifício, entrega. ele se aproxima de nós através de uma ausência. Assistir a um filme de Ozu é como participar de uma missa, é entrar em um ritual, não dá pra assistir comendo pipoca ou deitado no sofá passando as mãos na coxa esquerda da sua namorada. O cinema de Ozu é todo vertical e simétrico porque ele sabe que o espectador que assiste aos seus filmes está sentado numa poltrona, em vertical e de forma simétrica. Por isso os campos-contracampos são frontais porque o espectador fala de frente com essas pessoas.

Sinto que não há tempo nos filmes de Ozu. Não sei explicar isso muito bem. Claro que tem o tempo: tem o tempo físico de estar ali naquelas duas horas assistindo ao filme, tem as estações do ano. Mas ao mesmo tempo não tem tempo.

Ver Ele é um Pai é fantástico porque é um pouco diferente dos demais filmes mais conhecidos do Ozu. Simples: porque esse é um filme de 42, antes da guerra. Então todo o contexto das transformações econômicas do Japão, da invasão ocidental não estão no filme. O conflito entre as gerações passa a ser atenuado. A gente passa a perceber mais como o cinema de Ozu fala tbem sobre um Japão, e pensar isso vendo seus filmes de vários períodos é muito instigante, já que Ozu fez cinema desde o cinema mudo, e é o mesmo cinema mas diferente, claro.

Comentários

Anônimo disse…
Meu caro: Já me programei pra ver 'Café Lumière' na próxima semana. Também gosto muito do cinema de Ozu, mas o meu cineasta japonês preferido é Mizoguchi. Um abraço.

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