(FESTRIO) 24 OLHOS
24 olhos
de Keisuke Kinoshita
MAM seg 3 out 15:30
** ½
O cinema de Kinoshita está imerso nos novelos da narrativa de cunho clássico, e sem pressa, o diretor desfia um a um os fios desse novelo. O que surpreende nessa história da professora do interior em contato com seus alunos é, em primeiro lugar, a habilidade de Kinoshita em explorar o tempo e o espaço da narrativa clássica, em compor “um épico de miniatura”, em como os destinos individuais das pessoas “as mais pequenas” passam tendo como pano de fundo os períodos históricos de um Japão em transformação mas que no fundo permanece o mesmo. As protagonistas dos “dramas femininos” de Kinoshita acompanham essas mudanças de longe, impotentes em relação à sua participação nas “grandes questões”, tentando no fundo preservar a sua “dignidade moral”, lutando contra as injustiças e as adversidades naturais da vida. São mulheres simples que representam a vitória moral de um Japão ante às transformações.
Esse pequeno conto moral é narrado por Kinoshita com grande sabedoria e simplicidade. O espaço físico desse interior é transportado por Kinoshita para o centro da ação. Por isso, a opção de sempre filmar em plano geral e com profundidade de foco. Como num quadro de Poussin, os personagens são parte desse “quadro natural”, pequena peça modular que compõe o espaço físico. Mesmo nos momentos de drama intenso, é raro o corte para o plano próximo (só existe quando lhe parece imprescindível), sendo que a maioria das cenas se resolve no plano geral com base num deslocamento dos personagens entre as bordas do quadro, valorizando as estradas e saídas. Com isso, aquele vilarejo nunca parece opressor mas sempre em expansão, sinal de liberdade. Os personagens, ainda que em plano geral, olham para fora do quadro, em direção quase nunca revelada pelo contracampo (os contracampos são rarísssimos no filme). Com isso, Kinoshita promove uma decupagem singular, que seduz pela forma como apresenta os personagens em relação ao espaço físico, e como o tempo (os tempos largos, os interemezzos) é valorizado pela rotina própria da cidade. Ou seja, a narrativa se esgarça em louvor de uma vivência desse ritmo particular, dessa idéia de tempo e espaço.
Ao mesmo tempo, Kinoshita apresenta essa liberdade como um equilíbrio perdido, como sinal de um atraso (os alunos quando crescem querem sair do lugar, etc.). Ou seja, Kinoshita filma com uma enorme melancolia, com um grande saudosismo do que ainda está por vir. Todo o filme é muito triste, e além das cenas de melodrama em que o contexto fica óbvio (Mach-Chan vira garçonete, outra aluna tem que cuidar do irmão recém-nascido que morre em seguida, etc), Kinoshita espela este sentimento por um cinema da ausência, da distância, de uma austeridade. De uma beleza singular, longe da banalidade da narrativa, 24 Olhos é um exercício de cinema em sua esfera mais pura, a de como o cineasta pode criar um mundo em que a interação de tempo e espaço faça o espectador compartilhar de um modo de viver e participar de um olhar sobre a essência das coisas. E o artesão Kinoshita o faz sem pressa, e sem muita pretensão de cinema a não ser expressar toda a sua angústia e seu desejo frio pelo mundo. Sentimento mais oriental, impossível.
de Keisuke Kinoshita
MAM seg 3 out 15:30
** ½
O cinema de Kinoshita está imerso nos novelos da narrativa de cunho clássico, e sem pressa, o diretor desfia um a um os fios desse novelo. O que surpreende nessa história da professora do interior em contato com seus alunos é, em primeiro lugar, a habilidade de Kinoshita em explorar o tempo e o espaço da narrativa clássica, em compor “um épico de miniatura”, em como os destinos individuais das pessoas “as mais pequenas” passam tendo como pano de fundo os períodos históricos de um Japão em transformação mas que no fundo permanece o mesmo. As protagonistas dos “dramas femininos” de Kinoshita acompanham essas mudanças de longe, impotentes em relação à sua participação nas “grandes questões”, tentando no fundo preservar a sua “dignidade moral”, lutando contra as injustiças e as adversidades naturais da vida. São mulheres simples que representam a vitória moral de um Japão ante às transformações.
Esse pequeno conto moral é narrado por Kinoshita com grande sabedoria e simplicidade. O espaço físico desse interior é transportado por Kinoshita para o centro da ação. Por isso, a opção de sempre filmar em plano geral e com profundidade de foco. Como num quadro de Poussin, os personagens são parte desse “quadro natural”, pequena peça modular que compõe o espaço físico. Mesmo nos momentos de drama intenso, é raro o corte para o plano próximo (só existe quando lhe parece imprescindível), sendo que a maioria das cenas se resolve no plano geral com base num deslocamento dos personagens entre as bordas do quadro, valorizando as estradas e saídas. Com isso, aquele vilarejo nunca parece opressor mas sempre em expansão, sinal de liberdade. Os personagens, ainda que em plano geral, olham para fora do quadro, em direção quase nunca revelada pelo contracampo (os contracampos são rarísssimos no filme). Com isso, Kinoshita promove uma decupagem singular, que seduz pela forma como apresenta os personagens em relação ao espaço físico, e como o tempo (os tempos largos, os interemezzos) é valorizado pela rotina própria da cidade. Ou seja, a narrativa se esgarça em louvor de uma vivência desse ritmo particular, dessa idéia de tempo e espaço.
Ao mesmo tempo, Kinoshita apresenta essa liberdade como um equilíbrio perdido, como sinal de um atraso (os alunos quando crescem querem sair do lugar, etc.). Ou seja, Kinoshita filma com uma enorme melancolia, com um grande saudosismo do que ainda está por vir. Todo o filme é muito triste, e além das cenas de melodrama em que o contexto fica óbvio (Mach-Chan vira garçonete, outra aluna tem que cuidar do irmão recém-nascido que morre em seguida, etc), Kinoshita espela este sentimento por um cinema da ausência, da distância, de uma austeridade. De uma beleza singular, longe da banalidade da narrativa, 24 Olhos é um exercício de cinema em sua esfera mais pura, a de como o cineasta pode criar um mundo em que a interação de tempo e espaço faça o espectador compartilhar de um modo de viver e participar de um olhar sobre a essência das coisas. E o artesão Kinoshita o faz sem pressa, e sem muita pretensão de cinema a não ser expressar toda a sua angústia e seu desejo frio pelo mundo. Sentimento mais oriental, impossível.
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