Um Homem Sem Mulher
“Tenho mais medo de viver do que de morrer”
Ricardo Pretti
Como um típico filme dos Irmãos Pretti, Um Homem Sem Mulher escapa às definições. É um filme de aprendizado, de busca, como se cada filme fosse sempre um primeiro filme. Aqui há um mergulho no desvelamento de uma intimidade, em que o improviso exerce um papel fundamental. É um filme que não poderia ter sido feito se não fosse a umbilical ligação da câmera com a direção e com o protagonista. E que também não seria feito dessa forma se fossem atores, ao invés de amigos, nos papéis dos personagens.
Mas aqui o que eu quero dizer, vendo o filme pela terceira vez na Mostra do Filme Livre, é que Um Homem Sem Mulher, como o próprio título sugere, é um filme sobre a afetividade, ou melhor, sobre um processo de busca de um afeto perdido. Este afeto é refletido na própria participação da equipe (equipe?) na elaboração do filme, mas o interessante é que a busca por esse afeto se dá de forma desigual, ou ainda, de forma transversal à estrutura da narrativa. Passando pelo início (o desabafo com os amigos, com uma maior presença do improviso) até assumir um tom profundamente pessoal (o retiro na casa em Itaipava e a bonita seqüência do trajeto de carro até a casa), e, depois, voltando para o contato com os amigos, na apresentação do sambinha e na visita ao filho de um amigo, Um Homem Sem Mulher faz um percurso íntimo, que, ainda assim, mantém o tom austero e rigoroso dos demais filmes da dupla.
O encontro com esse afeto perdido acontece no filme numa espécie de plano-síntese, mas que muitas vezes pode passar despercebido: é quando Ricardo – ator-autor-personagem – segura nos braços o filho de seu amigo. Ali ele consegue segurá-lo, já que antes falava sobre a fragilidade da condição humana, espelhada na fragilidade física do bebê recém-nascido. Imagem-síntese, imagem-espelho, Ricardo, segurando o bebê no colo, acaba por acalentar a si mesmo, como se observasse no espelho o reflexo tardio de sua própria fragilidade. E aqui poderíamos fazer referências que vão de Lacan e Freud. Ali Ricardo equilibra sua fragilidade, acalenta sua solidão, enfrenta face a face o dilema de escolher entre “viver e morrer”, a frase sombria “tenho mais medo de viver do que de morrer”. É como se todo o percurso de Um Homem Sem Mulher, mais do que conseguir finalmente “pegar alguém” (o que nunca acontece), fosse a possibilidade de abraçar a si mesmo no colo.
Conseguir fazê-lo é como se já se estivesse preparado para morrer.
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