Terminal

TERMINAL
De Steven Spielberg, EUA, 2004
São Luiz 3, ter 21:30
***

Assistir a três filmes tão intensos em seqüência tem me deixado quase louco. E o mais curioso é que são três filmes americanos: A Vila, Kill Bill v 2 e este Terminal. Terminal é sem dúvida o mais fraco dos três, um filme menor, um filme irregular, mas não menos fascinante, exatamente por ser um filme menor vindo do diretor mais consagrado dos três. Depois de dois filmes absolutamente intensos e místicos quanto A.I. e Minority Report e de uma extraordinária declaração de princípios, de um filme-síntese como é Catch if you can, Steven Spielberg, no auge de sua expressão como cineasta, se dá ao luxo de fazer um filme tão simples quanto Terminal. Enquanto Shyamalan quer largar tudo para se deixar guiar por um cinema místico dos sentidos e Tarantino quer fazer seu filme-testamento, sua obra definitiva, Spielberg quer um resgate do cinema-padrão, do cinema cívico, do bom e velho cinema americano. O referencial para Terminal – e é impossível falar desse filme sem ter isso em mente – é o cinema de Frank Capra. Para Spielberg também está em jogo a possibilidade das instituições americanas garantirem um mundo mais justo, e de o cinema retratar esses ideais com ética e virtude. O cinema de Capra está todo lá na neve sobre o rosto de Victor Navorski (Tom Hanks) quando ele finalmente consegue sair do aeroporto, através de uma enorme grua em que se vêem refletidas, sobre as janelas envidraçadas do aeroporto, as fachadas dos prédios de Nova York. Mas enquanto o cinema de Capra vai usar a crise de 29, o cinema de Spielberg em Terminal tem como base o 11 de setembro. Ainda que seja o mais irregular dos últimos filmes de Spielberg, seja no desenvolvimento dos personagens e nas situações oferecidas pelo roteiro, Terminal não deixa de ser absolutamente apaixonante, por ser uma mistura de Náufrago com Prenda-me se for Capaz. Isolado numa ilha, num lugar-nenhum, o imigrante interpretado por Tom Hanks é um espelho de seu tempo, vagando num mundo de ilusões e fantasias perdidas. Terminal começa de forma bem estranha, onde Spielberg, numa decupagem criativa, consegue enquadrar o aeroporto como se fosse um supermercado, com um enquadramento opressor, claustrofóbico, com uma limpeza robótica e asfixiante, com gruas esquisitas entrecortadas por steadicams frenéticas que intensificam o clima paranóico e obsessivo do entreposto, como se fosse uma espécie de 1,99 (o filme do Masagão) do primeiro mundo. A seguir, mesmo no meio de alguns pulos narrativos e algumas inconsistências, Spielberg vai humanizando seu personagem, acomodando sua decupagem, deixando o espectador mais confortável e se identificando com seu personagem. Além de postulado político, Spielberg faz uma radiografia do “tempo de espera” como sinal de amadurecimento: a “cidadania” de Mazorski se dá ao meio de uma conquista do dia-a-dia, de um processo de humanização, de sociabilidade e de inserção. Uma parte crítica é quando Hanks serve de tradutor para o comissário encarregado do local (Stanley Tucci): ao sugerir que os remédios são para uma cabra e não para o pai do imigrante, Hanks agora passava a “saber as regras”, a dar legitimidade às instituições, e converter as mesmas regras segundo uma idéia de humanização. A questão da “tradução” passa a fazer toda a diferença. Essa generosidade em relação ao imigrante, às boas intenções do imigrante que quer chegar numa nova América, em relação ao cidadão comum e aos desprestigiados são mais um elemento do cinema de Capra. Embora conservador (o imigrante ao final de sua jornada deve retornar à sua terra natal, para “o seu lugar”), Terminal não deixa de ser crítico a uma sociedade americana obsessiva ante a vigilância e à assepsia da proximidade com o estrangeiro (cena síntese: uma dezena de policiais apontando armas quando o faxineiro indiano sozinho consegue parar um avião). Mas tudo isso é secundário, a crítica sucumbe: Terminal é a visão de maturidade de um artista - consagrado e realizado - no auge de sua expressão artística, que se permite uma obra de entressafra. Nela vemos algumas das principais virtudes e alguns dos principais defeitos do cinema de Spielberg. Respiro respeitoso, absolutamente honesto e complacente consigo mesmo, Terminal é generoso em relação às suas próprias ambições. Quem o vê como sinal de acomodação, engana-se profundamente: é um espelho de uma profunda satisfação consigo mesmo, de uma auto-estima que o macambúzio Minority Report estava longe, longe de ter. A vida muda: Terminal tem um humor ausente dos últimos filmes de Spielberg, além de um desejo pelo cinema e um postulado ético decisivo. Cinema ingênuo, Terminal poderia ser um filme como qualquer outro. Só não o é porque é um trabalho de continuidade e, acima de tudo, porque é feito com alma. Quem nisso acredita – o que é o meu caso – se emociona: torce, chora, ri, se encanta. Ora, Terminal é um filme antigo, como os velhos e bons filmes de Frank Capra.

Comentários

Anônimo disse…
Terminal é um belo filme, mas não chega a ser o Prenda-me Se For Capaz. Eu achei que o final tem uma certa ambiguidade: Quando Victor diz para o taxista que vai "voltar para casa", ele está mesmo querendo voltar para o país dele? Afinal, a última imagem do filme é a cidade de Nova York, lugar mais multi-cultural impossível.

Achei que Victor podia estar tanto voltando para seu país quanto se tornando um imigrante. O que você acha, Ikeda?

OBS: Você pegou meu e-mail de resposta sobre o Festival do Rio, Ikeda?

Um abraço,

Bruno Amato Reame
Anônimo disse…
Terminal é um belo filme, mas não chega a ser o Prenda-me Se For Capaz. Eu achei que o final tem uma certa ambiguidade: Quando Victor diz para o taxista que vai "voltar para casa", ele está mesmo querendo voltar para o país dele? Afinal, a última imagem do filme é a cidade de Nova York, lugar mais multi-cultural impossível.

Achei que Victor podia estar tanto voltando para seu país quanto se tornando um imigrante. O que você acha, Ikeda?

OBS: Você pegou meu e-mail de resposta sobre o Festival do Rio, Ikeda?

Um abraço,

Bruno Amato Reame

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