Redentor

Redentor
De Cláudio Torres, Brasil, 2004
Estação Paissandu, quinta 16/09/2004, 19:20
***

Redentor é bem estranho. Bom, mas desde Cronicamente inviável eu não ficava tão impressionado com um filme que quer falar sobre o Brasil de hoje. Redentor é um filme que pega a máxima de Aristófanes (Ridendo castigat mores: Rindo criticam-se os costumes) para dar uma grande porrada na classe média. Pedro Cardoso é um jornalistazinho classe média sufocado entre a sua inveja dos ricos (o empresário imobiliário Miguel Falabella) e os milhões de miseráveis – o povo – fudidos. Todos querem a mesma coisa: dinheiro. A classe média tem nojo e usa o povo, mas não percebe que é uma marionete na mão dos poderosos, e acaba reforçando o status quo. A mídia entra no meio (Pedro Cardoso é um jornalista), a corrupção, obviamente, os setores industriais, o ramo imobiliário, além do sistema penitenciário, a religião/fé (Deus), e até os puteiros. Mas voltando, o protagonista é da classe média, mas o espectador não exatamente é convencido a se identificar com Pedro Cardoso, até pq ele tbem é trumbiqueiro e oportunista. Ou seja, o filme tem uma puta autocrítica em relação à classe média.

Outra, o filme fala de gerações. Tanto Pedro Cardoso qquanto Falabella são FILHOS de pessoas que tinham um sonho (o pai de PC em ter um apartamento; o de MF em construir um grande negócio): os dois filhos são muquiranas trumbiqueiros. Herdam o desejo dos pais de forma ambígua e no fundo só querem se dar bem. São o retrato de uma falência de um projeto da antiga geração e sua degeneração num mundo materialista, corrupto e fudido.

O filme tem uma narrativa estranha. Começa como um filme noir, com um começo que obviamente remete a Sunset Boulevard (a narração do morto), e o flashback em PB e com contra-plongées tipo Cidadão Kane (até pq fala sobre o poder). O filme tem várias reviravoltas de gênero que o levam de um lado a outro, tornando a narrativa muito flexível, e meio no final o associando a uma espécie de realismo fantástico.

Muito há a ser dito: o começo genial, com uma tomada de helicóptero mostrando o edifício paraíso em torno da favela é uma porrada no cinema brasileiro atual, uma contra-visão do início de um Ônibus 174 p ex da “descrição didática de uma geografia”. Redentor pega todo o cinema plástico da Conspiração como parte de seu discurso de auto-ironia, combinando à perfeição. Com isso, é uma porrada no atual cinema brasileiro, na tal “cosmética da fome” se é que isso existe.

Mais: a cena em que PC e MF conversam à beira do precipício do prédio é uma espécie de síntese do filme, da necessidade de os dois fudidos à beira do abismo se aliarem, do fundo falso em croma-key ser o abismo...

No final o dinheiro não dá pra todo mundo: é um filme que toca sobre a questão da distribuição de renda. Ele se perde pelo ar: um final cáustico, anti-moralista, amoral.

Redentor deve ser um filme maldito, para ser visto e revisto. Bem realizado pacas, com um roteiro impressionante, é um retrato cruel e exato sobre o Brasil e o cinema brasileiro de hoje. Bem bom.

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