Engraçadinha Depois dos Trinta

Engraçadinha Depois dos Trinta
De J. B. Tanko, 1966
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Mostra Nelson Rodrigues, CCBB, qua 15 13hs

Tanko sabia das coisas. Quase uma continuação de Asfalto Selvagem (que a Mostra não conseguiu trazer...), Engraçadinha depois dos 30 é um dos melhores filmes do Tanko, simplesmente pq dessa vez ele conseguiu pegar um argumento/roteiro que não fosse tão carne-de-pescoço quanto a maioria dos seus filmes (sim, eu sei que o Tanko roteirizou TODOS os seus filmes, mas convenhamos...). Engraçadinha é puro Nelson Rodrigues, sem nenhum cacoete, uma adaptação simples, POPULAR, mas até por isso mesmo desvela a visão de cinema de Tanko, o apelo pelo cinema de cunho clássico, que se desvela nas entrelinhas. Engraçadinha, sinceramente, não deixa muito a desejar em relação a Um bonde chamado desejo, ou coisas do tipo de cinema americano clássico.

Tanko foi fiel a Nelson Rodrigues, mas deu seu toque particular, conseguiu transformar o filme num estudo sobre a natureza do pecado e do desejo. Os personagens são ingênuos pecadores, ou às vezes, sórdidas crianças. É nesse limite esguio entre a inocência e o pecado (Fernando Torres ligando de seu gabinete simplesmente por ter recebido um beijo na testa; a filha de Engraçadinha dizendo no táxi que não sabe quem lhe tirou a virgindade; o personagem de Cláudio Cavancanti matando o cara que quer lhe atrapalhar a vida, etc.) que o cinema de Tanko extrai uma simplicidade que une a poesia do dia-a-dia com o desleixo do cinema mais comercial. Tudo isso tem uma expressão síntese, na ótima cena em que Engraçadinha faz amor no capô de um carro no meio de um matagal no meio da chuva. A mise-en-scene de Tanko é simplicíssima: não há exageros nem mesmo música, mas tudo converge a poesia e a um desejo reprimido de libertação, apenas pela dramaturgia, como só os mais sábios diretores sabem fazer. Engraçadinha tbem tem cenas de incrível intimidade, como quando Cláudio Cavalcanti leva a filha de Engraçadinha para o quarto de motel na Barra da Tijuca, ou quando ele conversa com o garçom do bar do motel sobre que comprimido ele deve tomar, receoso de ficar impotente na hora H. Ou ainda na sublime (sublime mesmo), na impressionante seqüência em que Cláudio Cavancanti pega um ônibus fugindo do crime, e que Tanko corta (mais de uma vez) para a janela do ônibus vazia: um requinte de linguagem raro a um cineasta que sempre teve carne de terceira às mãos. Tanko sabia das coisas: nunca foi gênio, era artesão, e esse foi seu lugar dentro da história do cinema brasileiro. Vendo um filme tão bem sucedido quanto Engraçadinha depois dos Trinta nos dá a certeza de que Tanko nasceu para ser cineasta, e o seria em qualquer parte do mundo, até mesmo no Brasil. Acho que Tanko só não o seria se morresse antes de 1895...

Comentários

Anônimo disse…
Assisti "Engraçadinha depois dos 30" agora, no Canal Brasil. Como comenta, meio ingênuo, meio descuidado na produção, mas grande filme. O final não poderia ser mais expressivo do anseio de liberdade do personagem que dá nome ao filme. Mas convenhamos: o filme é de 1966. Os valores da sociedade eram completamente outros.

Curioso também o lance de paixão homossexual de Cabelão pelo personagem de Cláudio Cavalcanti, mesmo travestido de violência. Não eram muitos os filmes que abordavam o tema à época.

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