Anything Else

Igual a Tudo na Vida
Anything Else, de Woody Allen
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1) A única forma de recomeçar é sendo fiel a si mesmo.
Essa frase me veio à cabeça no meio da projeção de Anything Else, o novo Woody Allen. Como eu fui ver o filme com a questão dos outros filmes do diretor na cabeça, toda essa idéia do recomeço assumiu um outro significado. E o mais curioso (e nisso que Anything Else foi contra a minha expectativa): não é que se trate do diretor frustrado e amargurado que quer se tornar popular, mas aqui é a necessidade de recomeçar exatamente para ser VERDADEIRAMENTE fiel a si mesmo. Olhar-se no espelho é sinal de enfrentamento, de fim do caminho de fuga ou de inércia. Por isso, o final, quando Jason Biggs finalmente consegue recomeçar, é um final corajoso que abre novas perspectivas para a filmografia de Allen. Ou seja, o impacto deste filme só poderá ser visto no próximo. Mais que resposta rancorosa ou sinal de fracasso, Anything Else aponta para a possibilidade de encontro no recomeço, ou seja, sendo fiel a si mesmo.

2) Anything Else, assim como os últimos filmes de Allen, é profundamente triste, espelho partido da crise por trás do menino bem-sucedido, do caminho que se oferece.

3) Woody Allen faz um personagem que a princípio seria um mero “orelha” do de Jason Biggs, mas na verdade se revela mais que isso, até se revelar uma das pontas mais criativas do filme. Allen é uma espécie de conselheiro que foge do universo da diegese, está além do nível da narrativa. Com isso, é uma espécie de “anjo”, como os anjos de Asas do Desejo, ou ainda como o professor de Morangos Silvestres. Mas sua posição é ambígua: primeiro pq ele toma atitudes reais (i.e no mundo concreto) e nem sempre de bom senso (esp a “vingança” quando lhe tomam o ligar do estacionamento). Segundo, porque explora os limites do personagem versus o próprio Woody Allen. Allen dá conselhos para Jason Biggs que, claramente, assume uma espécie de alter-ego dos antigos personagens representados por Allen que, na verdade, sempre foram espelho dele mesmo. Portanto, em última instância é como se Allen estivesse dando conselhos para ele mesmo, com um forte viés psicanalítico que é ironizado/problematizado o tempo todo no filme.

4) O personagem de Jason Biggs em Anything Else caminha o tempo todo no filme, seguido por longos carrinhos. Enquanto caminha, ele pensa, ou melhor, ele existe enquanto caminha. Nesse sentido, se assemelha com os personagens de um filme de Rohmer: ele caminha mais do que propriamente age, mas é no exercício de seu caminhar que ele propriamente existe.

5) Há um sentido político, atual, que se escancara no filme, de uma forma um tanto atípica dos demais filmes de Allen: é a questão da violência, da trincheira, da intolerância, ou mais propriamente do discurso anti-armas. Isso é feito de forma sarcástica, ambígua, estranha – e que por isso mesmo incomoda.

6) A vida muitas vezes nos parece difícil: difícil de ser entendida, difícil de ser assimilada. “Anything Else”, título ambíguo que o Português não consegue traduzir, mostra essa fissura. Sua virtude está em ver as armadilhas da vida do lado mais simples possível, de tornar leve, ou mesmo de tornar suportável. Aqui não há propriamente um pessimismo, ao contrário: apesar de triste, é um dos filmes mais calorosos de Allen, pelo menos recentemente.

7) Mas tudo isso não significa de que se trate de um filme bom: irregular, com pouco desejo pelo cinema, altamente verborrágico, com problemas de ritmo, Anything Else é mais um filme de Allen que promete ser um filme de transição. Pelo menos, mostra coisas novas, ainda que a novidade seja a convicção em seguir pelo mesmo caminho de sempre.

8) Pelo menos, algo: de Anything Else espero que eu tenha levado algo rápido para a minha vida..........................

Comentários

Anônimo disse…
fala ikeda,
gostei muito do que você falou de bom sobre o filme do Woody allen, mas discordo das críticas negativas. eu achei bastante cinematográfico o filme (em termos de woody allen). me lembrou o Maridos e Esposas só que sem aquele clichê de câmera na mão pra dar um tom de documentário. eu acho que ele está entendendo muito bem o cinema como encenação e ao mesmo tempo como registro (o som do filme mostra bem isso). chega a me lembrar de alguns filmes do manoel de oliveira.
além disso esse filme me fez entender que essa discussão do woody allen e sua fase dreamworks é um tanto ridícula e pretensiosa. woody allen sempre me fez cair nessa de querer ficar comparando os seus filmes com a sua vida, mas quanto mais eu faço e vejo filmes mais eu percebo que isso é apenas uma amardilha, que no fundo é uma discussão vazia, como os nossos livros de Lit. Bras. do 2o grau que botam a literatura numa linha do tempo linear. a história como meio de mortificção da arte. eu não sei quem é woody allen e não tenho vontade de especular em cima do que não conheço. a ignorância como mortificação da arte. enfim digo isso por causa de uma matéria que li na globo sobre esse filme.
abs,
ricardo pretti
Cinecasulófilo disse…
Oi Luiz,
é interessante a gente comparar o estilo do Woody Allen com Rohmer e Manoel de Oliveira, isto faz com que essa suposta "displicência estilística" dos últimos filmes dele seja vista de outra forma.

Já a idéia de comparar o autor (artista-indivíduo), além de que isso é estimulado pelo próprio Allen (convenhamos...) é pq o que me interessa em seus últimos trabalhos é exatamente essa idéia de crise, e essa crise nitidamente vem tbem do cinema, mas de fora do universo da diegese.

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