Ver-te-ei no inferno

VER-TE-EI NO INFERNO
The Molly Maguires, 1969
de Martin Ritt
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Em DVD mais um filme de Martin Ritt, que me lembrou o Como era verde meu vale, sobre a questão dos trabalhadores das minas. Num cinemascope espetacular, um filme "A" de Hollywood como já não existe mais: produção gigantesca e perfeita aliada a uma dramaturgia de primeira e um diretor com visão de cinema.

É curioso como Martin Ritt coloca suas questões pessoais mais uma vez nesse trabalho, de forma que se torna mais uma peça coerente na construção de sua filmografia. Impressionantes são os primeiros minutos do filme. O filme começa com um impressionante plano-sequência do sol no horizonte até que a grua termina mergulhando no interior escuro e opressor das minas. Os próiximos dez minutos descrevem o dia-a-dia do trabalho fatigante nas minas sem nenhuma palavra: descritivo, silencioso, é o típico trabalho experimental possível dentro do cinema americano. A câmera sai do interior das minas e apresenta um grupo (o grupo rebelde que irá se desenvolver ao longo do filme) caminhando tranquilamente, numa enorme e trabalhada grua. O ritmo lento e íntimo da vida dos pobres trabalhadores será uma vertente do filme. Até que de repente uma grande explosão e os créditos: ou seja, por trás da aparente tranquilidade, a tensão reprimida.

Molly Maguires é mais um filme político de Martin Ritt que supostamente denuncia a exploração dos trabalhadores das minas. Mas (obviamente) não espere neo-realismo italiano ou La Terra Trema: existe um trabalho de produção enorme mas que não oprime o filme, devido à maestria de Ritt em impor um ritmo particular ao filme que confere todo um trabalho de intimidade e sutileza que irão despontar para o primeiro plano. O filme tbem não tem aquele clima paranóico e opressor de um Rosi ou dos cineastas tipicamente políticos. Claro, é cinema americano.

e acima de tudo o que vai interessar Ritt é o conflito ético, do tira que entra como espião inflitrado no grupo rebelde mas que no fundo tem uma simpatia pelo grupo. Ao contrário da balela de Sindicato de ladrões, Ritt, o cineasta de Hollywood que tem profunda simpatia pelos excluídos, vai obviamente dar contornos humanos ao delator. Em 1969 (momento significativo), Ritt é um grande pessimista em relação a possibilidade de os homens mudarem seu destino ou a História, Fatalista, desiludido, Ritt vai expressar essa ambiguidade de seu personagem principal (entre a polícia e os rebeldes) através de um cinema que usa todos os artifícios do cinemão e os de um cinema de caráter mais autoral. Mas o surpreendente é que Ritt não vacila, seu filme não sofre de uma indefinição, mas ao contrário, é muito consciente tanto de suas limitações como dessa própria ambiguidade, o que se revela o principal e mais importante trunfo do filme. Como seu personagem, Ritt sabe de que lado está: está do lado do cinemão, o que não o impede de ter mais simpatia pelo outro lado e de formular um profundo significado ético. Decerto que Ritt pode ser considerado um covarde, mas se assim o for, sua covardia está mais na consciência de seu fracasso do que pela incapacidade de resistir.

Em temros de linguagem, uma aula. O ritmo lento que Ritt imprime ao filme muitas vezes deixa os conflitos em segundo plano para valorizar um lado sensorial, como nos primeiros antológicos quinze minutos do filme, completamente sem diálogos (a primeira palavra falada no filme é quando o espião entra no bar e fala "a beer" ). O tempo beem dilatado, as enormes gruas, a incorporação do espaço físico, a presença do estrangeiro como revelador de uma consciência, a dificuldade de expressar os sentimentos, o valor da amizade-confiança e o que representa a traição, o decadentismo intrínseco do homem e da sociedade, tudo isso é expresso nuam linguagem absolutamente pessoal e típica da filmografia de Ritt. Belo filme.

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