quatro filmes brasileiros

O cheiro do ralo, de Heitor Dahlia *

Santiago, de João Salles *** ½

Pro dia nascer feliz, de João Jardim *

Os Doze Trabalhos, de Ricardo Elias 0 ½

 

Overdose de filmes brasileiros: quatro filmes nos últimos quatro dias. Um grande, grande filme, chamado Santiago, um filme que me marcou profundamente. E mais três filmes fracos, insatisfatórios. O Cheiro do Ralo, do qual já falei bastante por aqui, é um filme “bem feito”, sedutor, mas reacionário, cínico, um cinema que executa bem a sua proposta mas eu não gosto mesmo da proposta em si, do que se quer dizer com o filme e a forma como se diz, mas fica claro que o diretor tem uma proposta de cinema e de mundo. Bem abaixo disso estão dois filmes que me surpreenderam negativamente, pois haviam recebido elogios em outros lugares, e os dois filmes me pareceram muito insatisfatórios.

 

Pro dia nascer feliz é tudo o que eu não espero que um documentário seja, é o oposto de Santiago. Isto é, é um doc que poderia passar num canal desses de TV por assinatura, mas é um exagero passar no cinema. Um filme “bem feito”, que tem um certo “trabalho de pesquisa”, que tem uma “preocupação com o Brasil”, essas coisas todas cheias de aspas, mas que no final me pareceu um tanto primário.

 

O filme pretende ser um painel da educação básica no Brasil e um painel do sentimento dos adolescentes dentro do sistema escolar. Acontece que por causa dessa proposta de painel o filme acaba sendo muito superficial, e acaba se prendendo a alguns rótulos que me parecem muito redutores. Um jovem de cada perfil: uma menina do Nordeste, um da Baixada Fluminense, outra da periferia de São Paulo, outra da classe alta paulista. E daí que cada um se torna um “personagem representativo do seu perfil”. Ou seja, essas pessoas não têm vida, eles “representam” perfis diferentes da população brasileira. As situações vividas pelas pessoas não são mostradas, as pessoas simplesmente dizem o que está acontecendo com elas. De modo que no final de um filme como esse, você sai sem saber nada do Brasil, nada da educação, nada dos jovens e nada de cada uma daquelas pessoas em si. Não tem um corte definido, não tem um olhar: é tudo muito primário. Uma pena, porque mais do que a questão educacional, ouvir esses jovens, suas aspirações, suas dificuldades é sempre muito instigante, e o jovem em geral tem muito pouca voz no cinema e na vida brasileira. Quando os jovens falam sobre si, o filme cresce, porque ali tem uma vida, um desejo, um olhar. Mas aí o filme corta e o diretor quer fazer montagem paralela pra dizer que no Nordeste tem uma menina que mesmo nas condições mais adversas consegue ser uma poetisa e é super inteligente, etc, etc. Aí quebra a relação..................

 

Mas o choque maior foi com Os Doze Trabalhos. Existe uma certa complacência com o trabalho do Ricardo Elias nos dois filmes, neste e no anterior De Passagem. O De Passagem era um filme fraco mas que apontava para algumas possibilidades e então várias pessoas resolveram apostar porque aquele era um primeiro filme. Bacana. Mas nesse Os Doze Trabalhos ele investe no que deu errado no filme anterior e parece não ter avançado onde se precisava, fazendo um filme bem fraco. Primeiro, é um filme muito básico quanto ao conhecimento de uma gramática cinematográfica. Soluções de decupagem constrangedoras, dificuldade de dar ritmo ao filme, de criar situações dramáticas que não sejam resolvidas apenas pelo roteiro e pelo diálogo, essas coisas básicas que mostram se uma pessoa é um diretor de cinema ou um roteirista que dirigiu um filme. O filme é muito mal resolvido e além disso tem um roteiro muito primário. Um garoto sai da Febem e arruma emprego de motoboy para não voltar ao vício. O filme é fica do lado do garoto (claro) só que o filme é muito preconceituoso: todas as pessoas que o garoto vai fazer a entrega  são vistas de um ponto de vista pejorativo ou depreciativo, com todos os estereótipos mais fáceis possíveis (a mãe fútil que fala ao telefone mas é abandonada pela filha, a outra mãe cujo filho só liga pra pedir dinheiro, o arquiteto rico mas drogado,etc, etc.). Esse olhar social para as minorias acaba sendo mero verniz, desculpa esfarrapada para ganhar edital: não há um olhar para essa realidade e para as dificuldades desse motoboy. O filme tbem fracassa profundamente da possibilidade de ser um filme sobre o percurso: percurso físico do garoto para as entregas que se confunde com um percurso humano, de descoberta. O filme tbem fracassa na possibilidade de ser um percurso por uma geografia de São Paulo, já que o garoto faz entregas o filme todo. E podemos nos alongar, se fosse o caso. Uma cena constrangedora é quando o menino vai buscar o anel com a ex-noiva de seu primo. Uma dramaturgia tosca, transformações de novela mexicana, quebra de eixo, luz e direção de arte de mau gosto, diálogos sofríveis, etc. Uma pena, mas depois de Os Doze Trabalhos não dá mais para apostar em Ricardo Elias como promessa. Um primeiro filme, vá lá, mas como segundo filme é uma enorme decepção.

 

Mas o que eu quero falar mesmo é sobre um filme chamado Santiago.

 

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