KES

Recordando
KES, de Ken Loach
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Hoje eu gostaria de falar, ainda que rapidamente, de um filme que me marcou bastante, chamado KES.
Este filme foi filmado em 1968, numa epoca em que o mundo sofria uma grande revolucao de costumes e de efervescencia de ideias.
Os estudantes iam as ruas, havia uma tal revolucao sexual, o cinema buscava novas formas de narrar e de existir.
Em meio a tudo isso, visto de hoje, esse filme parece um peixe fora dagua.
E um filme simples, contado a moda tradicional, quase a maneira neorealista, sobre um adolescente que vive numa cidadezinha inglesa,
e que tenta escapar do trabalho nas minas, como parece ser o seu destino e de toda a sua familia.
Seu diretor, Ken Loach, neste que e seu primeiro filme, parecia antever que a "revolucao de costumes" da epoca era uma revolucao da classe media,
e que na verdade pouca coisa iria mudar para os menos favorecidos.
Loach tambem parecia estar alheio a essas questoes modernas de seu tempo, como o proprio cinema ingles da epoca fazia questao de se engajar,
para mostrar que os problemas do menino de Kes sao os problemas de entao, de ontem, e de sempre, pois sao os problemas do ser humano:
a sua miseria e sua dificuldade de viver em liberdade.
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Kes em ingles lembra primeiramente de Kiss, e "kiss" e uma palavra que resume bastante essa epoca que o filme foi feito mas que curiosamente
esta ausente do filme. Porque Kes e um filme afetuoso sobre a falta de afeto.
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Kes e um tipico filme de "sessao da tarde".
Um dos principais motes do filme e a amizade do menino por um passaro, ao qual ele quer domesticar.
Nao consegue, pois o sistema acaba o matando antes. Digo, o passaro.
Acaba o matando por nenhuma razao em especial.
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Kes tem um dos finais mais bonitos e economicos da historia do cinema, mas aqui eu me isento de comentar.
Loach vivia num momento em que as palavras de ordem eram "liberdade", "esperanca" e "mudanca".
O final de Kes vai mostrar que tudo isso e uma bobagem.
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O menino de Kes queria poder ser diferente dos seus irmaos, da sua familia. Queria poder ser alguem.
Nao e que ele nao tenha o reconhecimento da sua mediocridade, ao contrario, o que o filme mostra e como o sistema perpetua a impotencia de tentar ser alguem.
E no reconhecimento desse fracasso que se revela a contundencia do filme.
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Kes foi lancado quase a mesma epoca de Cronica de Anna Magdalena Bach. Na epoca, Godard disse que Straub era alienado
pois no meio de uma guerra contra o Vietna, Straub fazia um filme passado na Idade Media.
Straub respondeu que seu filme era exatamente sua resposta pessoal a tudo aquilo.
Penso o mesmo de Kes.
Embora Kes nao seja um simbolo do cinema de invencao, desse desejo transgressor, da busca por uma renovacao de linguagem, KES para mim
e uma das grandes experiencias do cinema, porque nos permite ir alem do seu tempo, estando aquem do seu tempo.
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Em alguns momentos Kes parece piegas, mas em geral Loach consegue a distancia exata entre o abraco afetuoso e a distancia critica de seu protagonista.
Coisa alias que ele nunca mais conseguiu em seus outros filmes, muito inferiores a este.
Essa distancia exata e conseguida por meio de um trabalho discreto mas minucioso de camera, montagem, luz, som e com o trabalho do ator.
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A luz de Kes e maravilhosa, porque o filme todo e cinza e sem cor.
A sequencia de abertura, que mostra os dois irmaos na cama, ja anuncia todo o filme, em termos de enquadramento, trabalho de corpo dos atores e da iluminacao.
O uso do som em Kes e fantastico.
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Mas na verdade amigos devo confessar: o fato maior que me fez gostar tanto desse simples filme nao e nada disso que falei acima, e sim pelo fato de que ele me fez lembrar a minha infancia, de que ele me fez resgatar alguns dos motivos pelos quais eu passei a me interessar pelo cinema, de que ele me confortou pelo fato de eu ser humano e tao fragil.
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Na verdade e por isso que gosto tanto desse filme chamado KES.

Comentários

Murilo disse…
8 de mar de 2015
Lindsay Anderson e a Coisa Pública




“(...) Garotos cantando um salmo, [em seguida leitura do] Livro
de Deuteronômio – ‘para que vivais e entreis e possuais a terra
que o senhor Deus de vossos pais vos dá’ – uma das passagens
usadas pelos britânicos como justificativa do imperialismo (...)”

Cena inicial da 4ª parte de se..., durante culto na igreja. Nota-se o tipo de ideologia
“educacional” a que eram submetidos jovens e adolescentes de um país acostumado
a acreditar que Deus lhe deu o direito de invadir as terras dos outros (1)

Era uma Vez uma Escola Pública...

Final da década de 1960 do século XX, estamos no início do ano letivo num colégio público inglês, onde menina não entra. Antigos e novos alunos chegam, logo sendo recebidos com humilhações e bullying – bem mais velhos, os monitores, especialmente Rowntree e Denson, eles próprios ex-alunos, são os primeiros a exercitar sua capacidade de subjugar aqueles que não podem reagir. Com o silêncio que parece ser parte de sua personalidade, Phillips retorna com seu material e recebe uma “cantada hostil” de outros alunos antigos – a homossexualidade é evidente na escola, mas a regra hipócrita-machista básica é seguida à risca: punição aos que de algum modo assumem o risco. O colégio é cheio de regras disciplinares e seu cotidiano está intimamente ligado às forças armadas britânicas e a religião (uma igreja bem no meio do campus garante o canto diário de hinos e a confissão dos pecados a um padre com olhar libertino). Na sala de estudos, apelidada “sauna”, os garotos confraternizam e são informados de mais regras: qual comida pode ser guardada, onde colocar os livros, onde colocar a pornografia. Nas paredes, cartazes com mulheres, o guerrilheiro cubano Che Guevara e o índio apache Gerônimo, que lutaram contra o exército dos Estados Unidos. Do currículo podemos ver aulas da racional matemática (curiosamente, ministrada pelo padre), história, latim, jogos de guerra e esportes (rúgbi, esgrima...), embora fique a impressão de que a disciplina mais cobrada seja a construção de personalidades capazes de obedecer ao superior hierárquico sem discutir. (imagem acima, Travis testando esta forma de morrer; abaixo, Jute olha para o capelão quando este afirma durante o sermão que os soldados que porventura desertarem serão condenados por Deus)



“(...) Qualquer um que tenha estado numa
escola pública inglesa, irá sempre sentir-se
comparativamente em casa na prisão”

Evelyn Waugh, Declínio e Queda, 1928 (2)

Mick Travis, Wallace e Johnny Knightly voltam a se encontrar, velhos conhecidos que irão virar a escola de pernas para o ar. Passeando na cidade próxima, cujo acesso noturno lhes era proibido pelas regras, quando deveriam estar assistindo a uma partida de rúgbi na escola, Travis rouba uma motocicleta e dispara com Johnny. No caminho encontram uma lanchonete e Travis tem uma estranha relação com a garota que trabalha ali. Uma vez que se trata de uma escola pública do então moribundo Império Britânico, os jogos de guerra têm como objetivo explícito o treinamento militar e a doutrinação ideológico-religiosa que justifica um suposto direito da Inglaterra invadir o mundo. Durante um desses treinamentos, os três amigos são punidos porque estavam juntos quando Travis desafiou a autoridade do padre e o atacou como um inimigo. Eles encontram armamentos na faxina que foram obrigados a fazer, era o que faltava para o trio por em prática as ideias de Travis a respeito da guerra e da revolução. Um belo dia, o general Denson está enaltecendo a tradição quando todos são expulsos do local por uma fumaça que vem do palco. Lá fora, são recebidos com a artilharia do exército de Travis. (imagem abaixo, inspeção da enfermeira em busca de problemas)
Murilo disse…
http://cinemaeuropeu.blogspot.com.br/2015_03_01_archive.html

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