(FestRio) 29 Palms

Twentynine Palms
De Bruno Dumont
França/Alemanha 2003
Est Ipanema 1 ter 21hs
***

Difícil, difícil falar algo sobre este 29 palms. Bruno Dumont realizou um projeto em direta continuidade com seus trabalhos anteriores, os marcantes A Vida de Jesus e A Humanidade, mas 29 Palms é um projeto de refinamento estilístico, em termos de só deixar na tela o que é essencial ao seu cinema, e de tirar tudo o que lhe parecer supérfluo. Embora haja um enredo (Kátia e David vão para uma cidadezinha no interior dos Estados Unidos para supostamente procurar por locações), ele é completamente dispensável para o que realmente está em jogo no cinema de Dumont. Isto é, não é um filme de roteiro (fiquei imaginando que o roteiro desse filme não passou de três páginas), é um filme de cinema: feito de tempo, espaço e estilo. Às vezes cai em alguns cacoetes do cinema francês e até dos outros filmes de Dumont, mas não deixa de comprovar a força do diretor.

29 Palms, com seus planos ultra-alongados, cinemascope e papel fundamental das locações em externa, flui suave, suave nos momentos de intimidade entre o casal que se refugia num interior. Mas ao mesmo tempo há algo sempre sinistro que povoa a tela: a cena de ciúme de Kátia no restaurante chinês, o barulho dos carros que circulam a região numa edição de som criativa, um cachorro manco sendo atropelado, um carro arranhado, David pedindo explicações a Kátia porque ela é contraditória, David machucando Kátia num sexo oral na piscina, etc, etc. Apesar do tom bucólico e de leveza, há uma tragédia iminente, uma sensação de equilíbrio partido, todo sendo construído para obviamente romper de forma abrupta no final. O filme é tbem uma maravilha sobre os sexos masculino e feminino: Dumont compõe isso de forma individual e sem motivações eminentemente psicológicas. A simplicidade do filme (aliás, que nasce do desembaraço dos dois atores principais) contribui para isso: 29 palms é feito de cinema.

Mas não há como dizer (SPOILER): 29 palms tem uma descontinuidade brutal, e de Japón nos 15 minutos finais ele vira Encurralado, ou seja, vira exame da vida como um circo dos horrores, de como a inocência subitamente vira terror completo. Ficamos pensando no Holocausto, ficamos pensando em 11 de setembro, mas é tudo bobagem: o filósofo Bruno Dumont quer falar da natureza humana, animalesca, auto-destrutiva. Mas enquanto um Malick vai fazer parecido com um discurso ético, Dumont busca o choque, busca a incapacidade do ser humano de articular um discurso de auto-preservação Aí 29 palms vira um Irreversível, vira um circo dos horrores. Eu não gostei, não gosto dessa transformação, mas ainda que não se concorde, é preciso respeitar a articulação do discurso de um diretor que vai construindo uma filmografia sólida e coerente. I.e não vou ficar aqui cagando moralismo pro filme: é preciso respeitar as motivações de cada um. Pelo menos, há de se admirar a coragem de Dumont, de mudar o eixo de seu filme: tudo teria para ser um filme bucólico ou meigo, mas ele fez questão de destruir tudo. Para o bem e para o mal. Para quem quer começar no cinema, então, o filme foi uma aula, um dos filmes que mais valeu a pena ter visto nesse Festival, porque é um filme feito de cinema, nada mais, nada menos.

Nota final: o público imbecil do Estação Ipanema, urrando durante a sessão, gritando para acabar (“não é possível que alguém esteja gostando” – gritou alguém), aplausos irônicos no final, etc. Chocou mais o público do que Mal dos Trópicos, é estranho...

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