mais kore-eda

Para as viagens que estou tendo na minha pobre cabeça, o lance que busco no cinema é como é possível expressar os sentimentos. A gente tem obras de ponta, que se questionam sobre as possibilidades da linguagem, que pensam pra frente, como os filmes do api-chatong e da claire denis, disparados os mais estimulantes do festival. Mas para mim, ainda, o grande filme desse festival se chama NOBODY KNOWS, porque se debruça exatamente sobre esse ponto: em como o cinema pode mostrar (se pode...) através do quadro, dos atores, do som, do corte, etc, um sentimento profundo, uma distância afetiva, um olhar íntimo sobre as coisas.

Quase nunca temos o que queremos; a vida muitas vezes não é o que gostaríamos que fosse. Mas o que temos perto de nós, o que nos é mais íntimo e que garante os nossos momentos de felicidade, de bem-estar, de paz, de equilíbrio? E se isso for muito exíguo, uma linha tênue, que pode se perder, partir, que é impossível se manter? O que fazer? O que fazer se a nossa vida é tão cheia de ilusões partidas, se o ser humano é tão frágil, tão egoísta? Como é possível dividir os nossos sentimentos com outros se nós temos tantas preocupações do dia-a-dia, se temos que trabalhar, nos vender, etc? Ainda assim é possível manter uma inocência, ser fiéis a nós mesmos?

O que fazer se a nossa vida é tão precária, tão frágil?
O que fazer se o nosso futuro é tão incerto, tão mesquinho?

O menino de Ninguém Pode Saber passeia por um mundo solitário de esperanças perdidas, mas se atém ao que lhe é mais essencial à vida. Ele abre mão de tudo para preservar isso. Mas até que ponto isso mesmo não é uma ilusão, uma alienação?

Nessa ingênua fábula contemporânea, Kore-Eda faz uma radiografia da alma a partir de uma distância afetiva. Por que sua mãe não fica próxima dos seus filhos, não tenta superar as dificuldades junto deles? Ao mesmo tempo, quando a mãe volta, a raiva do filho mais velho é evidente. Quando estão longe, sente sua falta.

Quem já morou longe dos seus pais e teve responsabilidades, pode imaginar o que está em jogo para Kore-Eda.

É um filme sobre o papel da família, mas supera isso. É um filme sobre “o que fazer” diante da miserabilidade da condição humana.
Ninguém Pode Saber bateu muito forte em mim, porque é muito próximo do que tenho buscado em meus exercícios: do menino autista de Depois da Noite, da anarquia de Casulo, evoluindo para a poesia da voz-off de Alvorecer, para o desmoronamento de um mundo como processo de humanização em O Posto, saindo do quarto tímido e receoso do Cadu e indo pra explosão de energia da quadra da Mangueira em Tesouro do Samba. É tentar não só expor esse mundo partido, mas reconstruí-lo de forma sistemática através das ferramentas do cinema. I.e o desafio é exatamente tentar responder “o que fazer”. Antes eu responderia “dar um tiro na cabeça”, hoje talvez eu ache que uma possibilidade é extrair poesia dessas impossibilidades. Solução romântica, impossível? Provavelmente, mas por enquanto é desses pequenos momentos que eu vivo, e Ninguém Pode Saber, para mim, foi uma das maiores lições de cinema e de vida dos últimos tempos.

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