(FestRio) A História de Marie e Julien

A História de Marie e Julien
De Jacques Rivette
França, 2003
Est Ipanema 2 sab 21:30
***
Muito bom esse estranhíssimo filme do Rivette que em certa medida me lembrou do Coisas Secretas, a obra-prima do Brisseau. Ou ainda, (acho mais preciso): é uma mistura de Rohmer com Dreyer. A decupagem é completamente clássica, e o filme tem bastante diálogo, todos marcados, mas a decupagem tem coisas bem estranhas: o filme já começa com uma espécie de sonho (uma grua estranha com o protagonista dormindo no banco numa posição toda curvada, e a grua se aproximando em ligeiro plongée), e em seguida com um campo-contracampo em plano americano estranhíssimo, que passa toda uma distância e desconforto entre os personagens. Nos interiores, há uma câmera móvel que se aproxima e se afasta dos personagens com um domínio cênico que nos lembra Gertrud, o estranhíssimo filme final de Dreyer. Filmado de forma realista, quase todo em interiores, o filme evolui gradativamente para se tornar cada vez mais estranho, até se tornar um filme místico/religioso e psicanalítico. Com isso, cai em alguns cacoetes do típico cinema francês, mas não deixa de ser desconcertante. Emmanuelle Béart linda, linda, linda. Cenas de amor lindas, lindas, lindas. Nos últimos vinte minutos, uma série de revelações muito esquisitas, inclusive com ressurreições (?!) de duas personagens. Me deu a impressão de ser um postulado psicanalítico: Beart precisa superar a dor de mais uma perda para superar o trauma da primeira perda e poder voltar a viver. Ela fica então como um zumbi, uma semi-morta, alma que vaga ao léu esperando seu acerto de contas. Parece que Rivette fez todo o filme para filmar um plano-síntese: quando uma lágrima se transforma em sangue, e Beart supera a dor da perda e volta a ser humana. No fim a coisa meio que se inverte, e o filme passa a ser sobre a memória: quem agora não se lembra mais de nada é o relojoeiro. Mas o tal plano-síntese é impressionante: síntese do discurso de ascese, meticulosamente planejado ao longo dos 150´ do filme. Belo estranho filme.

Comentários

Postagens mais visitadas