Kluge no MAM
Trabalho ocasional de uma escrava
De Alexander Kluge
MAM sex 19 18:30
***
Terceiro longa do Alemão Alexander Kluge, dentro de retrospectiva do diretor exibida no MAM. Trabalho ocasional de uma escrava é um dos mais conhecidos títulos de Kluge por explicitar o engajamento de seu cinema político. No entanto, aqui, nada do didatismo de Ken Loach, mas sim uma abordagem francamente intelectualizada, distanciada e ambígua. Acompanhamos alguns meses na vida da família Bronski, em especial as perspectivas de Roswitha Bronski, que trabalha numa clínica clandestina de abortos para ter dinheiro para sustentar os filhos. Kluge cria um distanciamento do espectador em relação à narrativa, inserindo blocos de “comentários” em voz-over, no estilo brechtiano de Godard, mas aqui não chega a ser tão árido quanto em outros filmes do diretor. Outra estratégia de distanciamento é o humor seco, a ironia rascante, como a própria dicotomia entre aborto e filhos nos anuncia. Kluge compõe um filme de base feminista, em que esta mulher percorre uma verdadeira odisséia para garantir sua subsistência, uma personagem forte, franca e de atitude. Ainda assim, Kluge o tempo todo problematiza, e não é à toa que o filme foi visto com ressalvas pelo movimento feminista da época, porque não se filia simplesmente a nenhuma leitura política imediata para consumo pronto. E o humor tem um papel direto nisso. Ainda, Kluge faz um comentário social e político sobre sua crítica à mulher vista como “força produtiva” (ou ainda, produtiva e reprodutiva). Nesse caso, o aborto é visto como possibilidade de independência da mulher do regime de subserviência de seu corpo ao desejo masculino reprodutivo. A passividade do marido de Roswitha (que fica em casa estudando enquanto a mulher trabalha e ainda a trata agressivamente, julgando-se superior a ela) se incorpora a esta crítica. De qualquer forma, as cruas imagens de um aborto na clínica estão entre as mais impressionantes já filmadas no cinema, num tom realista que entra em contraponto com a estrutura do filme, de uma certa “alegoria satírica”. No meio do filme, há uma quebra: por uma denúncia anônima, Roswitha tem que fechar sua clínica e passa a se engajar no movimento político dos operários na fábrica onde seu marido trabalha como químico. Roswitha luta, pela sua família, pela sua independência, mas no final não consegue vencer. Mas é a derrota de uma batalha, não de uma guerra, pois Kluge aponta o caminho para se permanecer lutando, ainda que o faça sem nenhum romantismo ou com tolas ilusões: Trabalho ocasional de uma escrava é um filme sobre a opressão da mulher, mas sua caracterização da protagonista está longe de torná-la mera vítima, e o tom satírico de sua odisséia por vezes transforma o filme quase numa “screwball comedy”, como o próprio final nos aponta claramente, problematizando a “construção de um filme de esquerda”.
Por fim, há de se notar que é o que foi possível ver no filme, dadas as tétricas condições de exibição no MAM: cópia exibida em DVD, sem aviso no catálogo da mostra, e a mídia física travou algumas vezes, quando o projecionista teve que avançar o filme para o capítulo seguinte. Com isso, perdeu-se cerca de 13 minutos do filme, especialmente na parte final (na fábrica).
De Alexander Kluge
MAM sex 19 18:30
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Terceiro longa do Alemão Alexander Kluge, dentro de retrospectiva do diretor exibida no MAM. Trabalho ocasional de uma escrava é um dos mais conhecidos títulos de Kluge por explicitar o engajamento de seu cinema político. No entanto, aqui, nada do didatismo de Ken Loach, mas sim uma abordagem francamente intelectualizada, distanciada e ambígua. Acompanhamos alguns meses na vida da família Bronski, em especial as perspectivas de Roswitha Bronski, que trabalha numa clínica clandestina de abortos para ter dinheiro para sustentar os filhos. Kluge cria um distanciamento do espectador em relação à narrativa, inserindo blocos de “comentários” em voz-over, no estilo brechtiano de Godard, mas aqui não chega a ser tão árido quanto em outros filmes do diretor. Outra estratégia de distanciamento é o humor seco, a ironia rascante, como a própria dicotomia entre aborto e filhos nos anuncia. Kluge compõe um filme de base feminista, em que esta mulher percorre uma verdadeira odisséia para garantir sua subsistência, uma personagem forte, franca e de atitude. Ainda assim, Kluge o tempo todo problematiza, e não é à toa que o filme foi visto com ressalvas pelo movimento feminista da época, porque não se filia simplesmente a nenhuma leitura política imediata para consumo pronto. E o humor tem um papel direto nisso. Ainda, Kluge faz um comentário social e político sobre sua crítica à mulher vista como “força produtiva” (ou ainda, produtiva e reprodutiva). Nesse caso, o aborto é visto como possibilidade de independência da mulher do regime de subserviência de seu corpo ao desejo masculino reprodutivo. A passividade do marido de Roswitha (que fica em casa estudando enquanto a mulher trabalha e ainda a trata agressivamente, julgando-se superior a ela) se incorpora a esta crítica. De qualquer forma, as cruas imagens de um aborto na clínica estão entre as mais impressionantes já filmadas no cinema, num tom realista que entra em contraponto com a estrutura do filme, de uma certa “alegoria satírica”. No meio do filme, há uma quebra: por uma denúncia anônima, Roswitha tem que fechar sua clínica e passa a se engajar no movimento político dos operários na fábrica onde seu marido trabalha como químico. Roswitha luta, pela sua família, pela sua independência, mas no final não consegue vencer. Mas é a derrota de uma batalha, não de uma guerra, pois Kluge aponta o caminho para se permanecer lutando, ainda que o faça sem nenhum romantismo ou com tolas ilusões: Trabalho ocasional de uma escrava é um filme sobre a opressão da mulher, mas sua caracterização da protagonista está longe de torná-la mera vítima, e o tom satírico de sua odisséia por vezes transforma o filme quase numa “screwball comedy”, como o próprio final nos aponta claramente, problematizando a “construção de um filme de esquerda”.
Por fim, há de se notar que é o que foi possível ver no filme, dadas as tétricas condições de exibição no MAM: cópia exibida em DVD, sem aviso no catálogo da mostra, e a mídia física travou algumas vezes, quando o projecionista teve que avançar o filme para o capítulo seguinte. Com isso, perdeu-se cerca de 13 minutos do filme, especialmente na parte final (na fábrica).
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