(FORA DO FESTIVAL) A Passageira
A Passageira
De Andrzej Munk
DVD
*** ½
.
Mesmo inacabado (o diretor morreu num acidente antes de tê-lo finalizado),
claramente percebe-se que A Passageira é um grande filme. Munk faz um filme
sobre os campos de concentração, mas com novidades de pontos de vista de
dois tipos. Primeiro, ele coloca um ponto de vista que não é de um
prisioneiro, e sim de uma supervisora que tem uma certa relação ambígua com
tudo aquilo, uma certa distância crítica dos acontecimentos mas que ao mesmo
tempo quer se dar bem com tudo aquilo (ser promovida). Ou seja, uma
personagem dúbia: heroína de um lado porque salva da morte algumas vezes
algumas prisioneiras, carrasca de outro por fazê-lo talvez apenas para sua
própria promoção pessoal. De outro lado, o filme se passa num outro tempo,
após a guerra, quando, num cruzeiro, essa supervisora acaba, pelas
circunstâncias, sendo levada a refletir sobre o seu passado. O filme então é
um "flashback" mas ao mesmo tempo, desde o início fica claro que o ponto de
vista dessa mulher é de verta forma enviesado, não correspondendo exatamente
ao que aconteceu. Isso fica claro quando ela conta ao marido "uma versão" da
história, que em seguida, ela mesma irá desfazer para si mesma. Ou seja, a
versão para o marido é a "versão oficial"; a segunda, é a sua visão própria,
mas que não necessariamente pode coincidir com os fatos. As cenas no
cruzeiro foram as que Munk não conseguiu finalizar, e a versão que circula
atualmente do filme resolveu isso muito bem através de fotos e de uma
narração em off que contextualiza os fatos do roteiro. Isso deu um jeito
estranhamente interessante, pois o "presente" é congelado e estático (como
se fosse La Jetée) e o "passado" é vivo, orgânico.
.
O filme então se passa nesse campo de concentração, em que a supervisora tem
uma assistente - Martha - e o filme trabalha a ambígua relação entre as
duas. Rapidamente torna-se um filme sobre o poder e a dominação, e daí não
tivemos como não nos lembrar de outro filme da Europa Oriental - Os
Sem-Esperança. A supervisora oferece iscas para seduir Martha, de forma a
dominá-la e garantir sua confiança. Martha, no entanto, permanece de certa
forma sempre arredia, mantendo uma distância da supervisora, como se fosse
um sinal de uma certa independência, de não se deixar seduzir ou
entregar-se. A cena-chave nesse sentido é quando uma das prisioneiras é
amarrada em um palanque, e Martha, de longe, sinaliza a ela que permaneça
com a cabeça erguida. O filme revela-se então como uma avaliação sobre a
importância da resistência dos fracos diante dos mais fortes, e dos
artifícios do poder para seduzir os comandados para que eles corroborem a
autoridade dos líderes. Ou seja, é um filme político sobre os artifícios do
poder.
.
A supervisora quer a alma de Martha e, para obtê-la, salva-lhe algumas vezes
a vida para seduzi-la. Mas Martha não se importa: ela chega a render-se,
entregar-se para a morte, mas não é esse o objetivo da supervisora. No
final, nesse cruzeiro estranho que simboliza esse tempo outro, e esse fluxo
para um lugar e tempo novos, as duas cruzam frente a frente, agora não mais
supervisora e prisioneira, mas apenas duas mulheres. Quem permanece de
cabeça erguida é Martha: esse é o belo libelo moral do filme político
póstumo de Andrzej Munk.
De Andrzej Munk
DVD
*** ½
.
Mesmo inacabado (o diretor morreu num acidente antes de tê-lo finalizado),
claramente percebe-se que A Passageira é um grande filme. Munk faz um filme
sobre os campos de concentração, mas com novidades de pontos de vista de
dois tipos. Primeiro, ele coloca um ponto de vista que não é de um
prisioneiro, e sim de uma supervisora que tem uma certa relação ambígua com
tudo aquilo, uma certa distância crítica dos acontecimentos mas que ao mesmo
tempo quer se dar bem com tudo aquilo (ser promovida). Ou seja, uma
personagem dúbia: heroína de um lado porque salva da morte algumas vezes
algumas prisioneiras, carrasca de outro por fazê-lo talvez apenas para sua
própria promoção pessoal. De outro lado, o filme se passa num outro tempo,
após a guerra, quando, num cruzeiro, essa supervisora acaba, pelas
circunstâncias, sendo levada a refletir sobre o seu passado. O filme então é
um "flashback" mas ao mesmo tempo, desde o início fica claro que o ponto de
vista dessa mulher é de verta forma enviesado, não correspondendo exatamente
ao que aconteceu. Isso fica claro quando ela conta ao marido "uma versão" da
história, que em seguida, ela mesma irá desfazer para si mesma. Ou seja, a
versão para o marido é a "versão oficial"; a segunda, é a sua visão própria,
mas que não necessariamente pode coincidir com os fatos. As cenas no
cruzeiro foram as que Munk não conseguiu finalizar, e a versão que circula
atualmente do filme resolveu isso muito bem através de fotos e de uma
narração em off que contextualiza os fatos do roteiro. Isso deu um jeito
estranhamente interessante, pois o "presente" é congelado e estático (como
se fosse La Jetée) e o "passado" é vivo, orgânico.
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O filme então se passa nesse campo de concentração, em que a supervisora tem
uma assistente - Martha - e o filme trabalha a ambígua relação entre as
duas. Rapidamente torna-se um filme sobre o poder e a dominação, e daí não
tivemos como não nos lembrar de outro filme da Europa Oriental - Os
Sem-Esperança. A supervisora oferece iscas para seduir Martha, de forma a
dominá-la e garantir sua confiança. Martha, no entanto, permanece de certa
forma sempre arredia, mantendo uma distância da supervisora, como se fosse
um sinal de uma certa independência, de não se deixar seduzir ou
entregar-se. A cena-chave nesse sentido é quando uma das prisioneiras é
amarrada em um palanque, e Martha, de longe, sinaliza a ela que permaneça
com a cabeça erguida. O filme revela-se então como uma avaliação sobre a
importância da resistência dos fracos diante dos mais fortes, e dos
artifícios do poder para seduzir os comandados para que eles corroborem a
autoridade dos líderes. Ou seja, é um filme político sobre os artifícios do
poder.
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A supervisora quer a alma de Martha e, para obtê-la, salva-lhe algumas vezes
a vida para seduzi-la. Mas Martha não se importa: ela chega a render-se,
entregar-se para a morte, mas não é esse o objetivo da supervisora. No
final, nesse cruzeiro estranho que simboliza esse tempo outro, e esse fluxo
para um lugar e tempo novos, as duas cruzam frente a frente, agora não mais
supervisora e prisioneira, mas apenas duas mulheres. Quem permanece de
cabeça erguida é Martha: esse é o belo libelo moral do filme político
póstumo de Andrzej Munk.
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