Exílios

Exílios
De Tony Gatlif
Espaço Unibanco 2, seg 19:40
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Depois de três semanas em que eu saí da vida para estudar atos administrativos, lei dos servidores públicos e orçamento público (sim, infelizmente é verdade...), pude voltar ao rumo normal das coisas vendo o esperado Exílios, lançado corajosamente pela Imovision. (Os ávidos leitores desse blog podem esperar que estou ansioso por mais filmes...) O filme desse cigano chamado Tony Gatlif, completamente desconhecido de nós brasileiros, conseguiu aqui ser lançado pelo prêmio de direção em Cannes 2004. É um trabalho bastante inspirador, porque é filmado com um grande sentimento de liberdade que, em seus melhores momentos, contagia, emociona, seduz. Filme autobiográfico, é uma volta às origens desse descendente de argelinos que, morando na França, volta para reencontrar restos de seus antepassados, ou, como diz o filme, para “resgatar antigas lembranças”. Esse estrangeiro entrando em contato com seu íntimo assume um reflexo na própria condição desse cinema (o espectador, também estrangeiro, acaba sendo um cúmplice do protagonista), e o filme revisita com muito respeito e carinho essa cultura alheia, esse sentimento do outro. A convivência com o outro é não só possível como salutar, como saudável, e essa é uma lição – ainda mais nos dias de hoje – muito válida. Mas o cigano Gatlif filma com uma liberdade intensa, com um grande prazer de filmar, então esse desejo pela viagem e pela descoberta do retorno preenche o filme de forma bastante intensa. Essa viagem para a Argélia acaba sendo uma espécie de retorno, de resgate às origens, e é muito sintomática a cena em que os protagonistas estão andando na “direção oposta”. O êxodo rural é invertido, pois “todos” da Argélia querem fugir de lá e chegarem na França. A “direção oposta” é no espaço e no tempo, é um “caminhar contra a corrente” como sinal de encontro, de busca de um íntimo. Não é à toa que o filme se encerra exatamente no ponto final desse retorno como encontro das origens, quando o protagonista chega ao túmulo do seu avô. Apesar de algumas quebras de ritmo e algumas ingenuidades, Exílios é sem dúvida um trabalho de cinema. Me impressionou também como esse espaço físico “tem voz”, como as filmagens em locação dão uma vida ao filme por permitirem uma organicidade, um diálogo íntimo com o casal de protagonistas. Um olhar pela janela de casa. O enterro com concreto de um violino. O olhar pela janela do trem. O cinema. O filme ainda tem uma cena extremamente impressionante que mostra os protagonistas “recebendo um santo” em plena Argélia. Um plano-sequência de quase dez minutos com uma agilíssima câmera na mão em 360º, com um trabalho de som espetacular (aliás, todo o filme tem um trabalho de som formidável), com um olhar totalmente de documentário, mostra uma das cenas mais impressionantes que eu vi recentemente É quando todo esse contato com a cultura do outro atinge o seu ponto-limite. E logo depois tem um plano belíssimo dos dois se olhando na penumbra. E depois um plano próximo de uma tangerina que é de cair o queixo. Enfim, um belo filme esse Exílios. Por fim, (e após o fim), uma companhia que deu luz ao filme, com seus hipnotizadores olhos verdes. Que todos os dias assim o fossem. Que minha vida fosse uma eterna, surpreendente e lúdica, mágica, fascinante viagem de libertação, de encontro com as origens. Mas não: minha praia é o cinema rigoroso, sintático, didático, materialista-metafísico de Manoel de Oliveira, de Straub. Enfim, cada um é como é. Mas é sempre um prazer a possibilidade de sorrir com a diferença do outro. E o cinema às vezes nos dá isso por R$ 6,50...

Comentários

Anônimo disse…
Meu caro: Estou me programando para ver 'Exílios' o mais breve possível. Seu texto (bem elaborado) reforçou a minha vontade de vê-lo. Um abraço.
Anônimo disse…
Belíssimo comentário, certamente sobre um belíssimo filme : sou apaixonado por tudo o que diga respeito a estrada, territórios desconhecidos, o estrangeiro - parece papo de Walter Salles, rs., mas é por isso que gosto, as vezes, do seu cinema. Quanto a Exílios, anotei; quanto a Straub, onde jaz o seu sorriso? - é um belíssimo documentário dirigido pelo português Pedro Costa. Quanto a Manoel de Oliveira, Viagem ao princípio do Mundo é impresssionante, assim como outros filmes contemporâneos como Felice, Felice, que também é sobre retorno as origens, mas do cinema! Vlw!
Cinecasulófilo disse…
MOACY: o plano-seq ao final de Exílios é DESCONCERTANTE. Só por esse plano já valeria a pena ver o filme.
MARCOS: falo que gosto do Straub pelo Crônica de Anna Magdalena Bach, obra-prima absoluta, mas pouco vi do diretor, pq nao tem nada dele aqui no Brasil (só o genial GENTE DA SICÍLIA em video). O Pedro Costa é ótimo, precisa passar mais coisas dele por estas terras. Veja o A CARTA, do Manoel de Oliveira, tem em vídeo pq é com a Chiara Mastroianni. O filme é FODÃO, e o plano quase no final da freira lendo a carta é INACREDITÁVEL (comprei a fita só para rever 30 vezes esse plano...)

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