HONG SANG-SOO: A VIDA É UM PERVERSO E LÚDICO TEATRO DE MARIONETES
HONG SANG-SOO: A VIDA É UM PERVERSO E LÚDICO TEATRO DE
MARIONETES
(algumas anotações esparsas sobre o estilo de Hong Sang-Soo
a partir de A CÂMERA DE CLAIRE e O DIA DEPOIS)
Hong Sang-Soo vem construindo uma filmografia sólida ao
longo de tantos filmes com uma notável continuidade de pesquisa. Tendo a vê-lo
mais próximo de um Woody Allen do que de um Ozu. De Allen, especialmente no
humor – embora com diferenças, pois há de se considerar que HSS não é um ator
de stand up comedy e é oriental rs). Por meio de seus personagens atrapalhados,
sinceros mesmo em suas pequenas trapaças, é como se ambos os diretores nos
dissessem que é preciso simplesmente viver a vida mas que, para não enlouquecer,
não devemos levá-la muito a sério. Ou então, claro, de Rohmer. A vida é uma
comédia de equívocos, em que os personagens não conseguem se comunicar para
expressar o que sentem – há uma crise da linguagem, e as palavras confundem os
sentimentos. Ou melhor, de uma mistura entre Rohmer e Rivette, pois ao mesmo
tempo, a vida é uma peça de teatro, em que representamos maus papeis (somos
maus atores), sem contar na constante presença da metalinguagem (no caso de
HSS, mais diretamente do cinema). É preciso, ainda assim, tentar viver: amar,
cair, tropeçar, encarar nossas fragilidades, nossas traições, nosso egoísmo,
nossas mentiras. Há uma beleza na forma como HSS enxerga essa filosofia de
vida, e como seus filmes vão ficando cada vez mais sofisticados, com o uso
sóbrio, consciente, rigoroso de sua mise en scene. Ele foi aperfeiçoando um
estilo que exprime sua sofisticação a partir de uma suposta transparência (um
cinema de diálogos e atores), nesse sentido bem próximo de um Rohmer. De Ozu,
HSS herda essa forma prosaica de ver a vida, uma aparente simplicidade mas que
na verdade revela um rigor formal expresso por um equilíbrio preciso e, no
caso, de HSS, como seus filmes são também jogos formais narrativos complexos
(histórias dentro de histórias, paralelismos narrativos entre personagens,
etc.).
No fundo tenho uma relação de amor e ódio com esse cineasta
rs. Ao mesmo tempo em que seus filmes são admiráveis, me incomoda profundamente
uma forma um tanto cruel e blasé como o cineasta manipula seus personagens.
Certamente HSS não é um HHH (não confundam rs), muito menos um Garrel (que
sofre profundamente pelo sentido trágico da impossibilidade plena de viver tudo
pelo amor). É como se HSS desperdiçasse seu enorme talento promovendo joguetes
entre personagens, divertindo-se entre a poeira, quando poderia atingir voos
mais profundos se se concentrasse numa poética do comum (HHH). Mas a beleza do
cinema de HSS é essa sofisticação que emana de uma trivialidade, como se a vida
fosse um jogo de cartas, uma rodada de truco. A vida é uma grande fulerage –
devemos tentar amar e acabamos condenados por isso. Seus filmes são um jogo
entre o acaso e o livre arbítrio – os personagens tentam ser donos de seus
destinos mas fracassam pois são condenados pelos deuses (pelo deus ex machina,
ou seja, pelo próprio mestre das marionetes HSS) a permanecer rodopiando em
torno de si mesmos, a tropeçar como Sísifo. E HSS parece ter um certo prazer
nisso rs. HSS é esse diretor malvado que se diverte fazendo seus personagens
tropeçar diante de nós. É quase como se as personagens fossem cobaias de uma
experiência narrativa, participantes de uma espécie de rinha de galos amorosa,
de um jogo ligeiramente perverso promovido pelo diretor apenas para nossa
diversão.
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