Mostra Cearense Contemporâneo - O Futuro é Agora Mesmo

Entre os dias 13 e 17 de novembro aconteceu a Mostra de Cinema Contemporâneo Cearense, no Centro Cultural do Banco do Nordeste na cidade de Juazeiro do Norte, como parte da programação do núcleo audiovisual da Mostra Sesc Cariri de Cultura 2010. Escrevi textos sobre as sessões da mostra, postadas em seu site . Vou inserindo aqui os textos escritos para a mostra. O primeiro deles, que abriu o catálogo da mostra, busca fazer um breve panorama desse movimento.


O futuro é agora mesmo

O momento atual é de uma verdadeira revolução nos modos de viver e ver o cinema cearense. Em paralelo aos cineastas que consolidaram o cinema do estado e que vem lutando por sua inclusão nos movimentos de política pública audiovisual no Brasil, como Rosemberg Cariri, hoje Presidente do CBC, e Wolney Oliveira, diretor-geral do Cine Ceará, vemos surgindo uma geração de jovens realizadores produzindo filmes com baixíssimo orçamento, com indiscutível projeção no cenário nacional e internacional. Numa transformação que paulatinamente vem a ocorrer em escala nacional, impulsionada pelo acesso às novas tecnologias e pela curiosidade por um cinema inventivo, que vem sendo chamado pela crítica de “novíssimo cinema brasileiro”, os filmes do Ceará recebem atenção especial. Tal papel de destaque ficou claro em matéria na mais famosa revista de cinema de todo o mundo, a prestigiosa Cahiers du Cinema, que afirma que o mais interessante cinema brasileiro de hoje é realizado à margem das produções oficiais, distante do eixo Rio-São Paulo, e sim no Nordeste, destacando os filmes Pacific, do pernambucano Marcelo Pedroso, e o cearense Estrada Para Ythaca. Essa produção vive à margem não só dos financiamentos estatais e dos editais tanto a nível federal quanto estadual mas também do próprio circuito comercial, cada vez mais restrito. No entanto, são esses filmes que vêm destacando o nome do Brasil nos principais festivais internacionais ligados a um cinema renovado, de transformação de linguagem. Quanto ao cinema cearense, apenas nos últimos dois anos, tivemos a exibição de A Mulher Biônica, de Armando Praça, no Festival de Clermont-Ferrand, de Flash Happy Society, de Guto Parente, nos Festivais de Hamburgo e de Tampere, e que culminou recentemente com a seleção de O Mundo é Belo, de Luiz Pretti, para a Mostra Orizzonti, do Festival de Veneza.

Os primeiros sinais visíveis desse movimento no Ceará foram provocados por dois projetos oriundos do DOCTV: Vilas Volantes, de Alexandre Veras, e Sábado à Noite, de Ivo Lopes Araújo. Em seguida, a produção se multiplicou, estabelecendo-se por um relação de produção cujo principal mote é a flexibilidade, em que as novas tecnologias permitiram o acesso quase instantâneo ao top do cinema contemporâneo, além de facilitar a integração dos cineastas alternativos em todo o Brasil. Realizadores do Ceará participam cada vez mais intensamente de projetos comuns com artistas de Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo, formando relações em rede, múltiplas e dinâmicas, estabelecendo entre si pontes estéticas, políticas e afetivas. Essa característica de flexibilidade foi combinada com um forte movimento de formação, começando pelos pioneiros cursos do Alpendre, passando pelos cursos livres do Dragão do Mar, até desembocar no brilhante projeto acadêmico da Escola do Audiovisual, um curso de realização de dois anos, sediado na Vila das Artes, em Fortaleza, com uma inovadora estrutura modular, trazendo professores e profissionais de todo o país. Essa experiência teve posteriormente sua continuidade no ingresso da primeira turma do Curso Superior de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará neste ano de 2010.

Talvez o filme que melhor resuma o espírito dessa nova geração seja o longa-metragem Estrada Para Ythaca, realizado por quatro diretores: Luiz e Ricardo Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes. Realizado de forma completamente independente, num projeto coletivo, praticamente todo realizado pelos quatro diretores, Ythaca promoveu um destaque para a atual cena cearense ao receber o prêmio de melhor filme no Festival de Tiradentes em 2010. Neste filme, a irreverência se mistura à melancolia, o percurso pelo interior do Ceará escapa ao olhar rural típico do cinema da região, o tempo e o espaço sofrem transformações inesperadas, em que o prazer pelo processo vale muito mais do que a busca por um “porto seguro”. Os personagens oferecem um “brinde à resistência”, mas poderia ser um brinde à liberdade, já que, afinal de contas, é como se o futuro fosse agora mesmo.

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