Mostra Cearense Contemporâneo (4) - Curtas II

[mesmo com um pouco de preguiça - as ressacas já se somavam... - escrevi um pouco sobre a segunda sessão de curtas. Houve a querida estreia de Amor, curta de Ythallo Rodrigues, lá do Cariri...]

Curtas


Se nas sessões anteriores da Mostra Cinema Contemporâneo o documentário foi o gênero predominante – com a única exceção de Longa Vida ao Cinema Cearense, apesar de o curta ser proposto a partir de um contexto situacional, o que nos remete ao documentário – na sessão de segunda-feira a ênfase foi no gênero ficcional. No entanto, as estratégias de mise-en-scene dos quatro filmes são bastante diversas. De um lado, o clima soturno de As Corujas e seu diálogo ambíguo com o cinema de gênero, sua ênfase em compor atmosferas, a inspiração expressionista e a fonte literária (o conto de Moreira Campos). Já Alto Astral possui um humor particular e um trabalho singular com a caligrafia do celular. Em Alto Astral, o celular não é sinônimo de mobilidade, mas ao contrário, a ênfase é em planos parados e muitas vezes em planos gerais. O celular oferece um aspecto pixelado, tirando de foco determinadas áreas e recheando o filme com cores difusas, tornando o ambiente quase se como numa atmosfera onírica, em suspensão. Há um clima mórbido, uma melancolia, uma proximidade distante entre os jovens, uma dificuldade no contato do corpo, um filme de corpos ou partes dos corpos mas sem closes. Já Amor, de Ythallo Rodrigues, encheu a sala de amigos próximos, já que o diretor é do Cariri. Amor mostra um diretor que se desencanta do filme que vinha fazendo, e o abandona, buscando realizar um novo filme com sua atriz. Com isso, insere uma quebra narrativa na própria estrutura do filme, quando Ythallo (o diretor do curta e que ao mesmo tempo representa o papel do diretor dentro do filme) abandona sua própria equipe e passa a filmar sozinho, com sua atriz. Ou seja, há uma dobra não apenas na estrutura narrativa do filme mas em seu próprio processo de produção, como se o filme dentro do filme fosse um espelho do próprio processo de produção desse filme. Princesa, de Rafaela Diógenes, fruto do primeiro ateliê da segunda turma da Escola do Audiovisual, é um primor pelo rigor dos planos e pela maturidade como Rafaela, em seu primeiro trabalho como diretora, articula elementos de mise-en-scene e de direção cinematográfica, combinando tempos, ritmos, climas, direção de atores, sempre com muita economia e sabedoria. Em sua opção pela contenção, e pela coerência da discrição do uso dos elementos de linguagem, nunca exacerbados, mas sempre intensos, Princesa é um dos mais bem sucedidos trabalhos dessa nova safra de realizações.

Para fechar a sessão, um documentário: Supermemórias compõe um caleidoscópio afetivo, através de uma obsesseiva compilação de imagens em Super-8, que formam um painel das transformações da cidade de Fortaleza. Acredito que esse curta ecoe muito da personalidade de seu diretor, Danilo Carvalho, mais conhecido pelos inúmeros trabalhos como técnico e editor de som de diversos filmes do cinema cearense: essa curiosidade, esse jeito falante, ligeiramente disperso, mas extremamente afetuoso. Cada plano de Supermemórias flutua uma curiosidade em observar o mundo e ainda que o filme se estruture em blocos narrativos, é composto de associações livres, provocadas pela montagem de Fred Benevides, que realizou um verdadeiro tour de force em fechar esse enorme conjunto de imagens. Por trás disso, há cenas do próprio nascimento de Danilo, filmadas por seu pai, que se conjugam a cenas de sua esposa Camila, grávida de sua primeira filha. Esse diálogo com a vida, com renascimentos, com a força da natureza, com o afeto das pessoas, que se reformulam e que empurram o ciclo da vida para frente, como um motor curioso, às vezes sem muita lógica aparente, mas sempre formidavelmente belo, ainda que em suas superfícies, marca o encanto da fruição de Supermemórias, um caleidoscópio coletivo, mas ao mesmo tempo profundamente pessoal.

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