AVE DREYER (I)

Dias de Ira, de Carl Th. Dreyer **** (DVD dom 2/abr)
Gertrud, de Carl Th. Dreyer **** (DVD dom 9/abr)
A Palavra, de Carl Th. Dreyer ***½ (DVD qui 13/abr)

Dreyer, pastor de ovelhas

É completamente absurdo tentar escrever algumas linhas sobre esses três filmes do Dreyer, sem um enorme preparo, mas a proposta deste blog é essa mesmo (i.e se eu não escrever agora não vou escrever nunca mais...). Primeiro a se falar é AMÉM MAGNUS OPUS, por lançar esse pacote de sete filmes do Dreyer em qualidade boa.

Dreyer é um daqueles raros cineastas que leva o cinema a sério, que empenhou toda a sua vida para dar mais dignidade ao cinema como expressão artística. Tudo, nesses três filmes, respira uma extraordinária vocação para o cinema, como uma enorme devoção, como uma enorme necessidade, com uma enorme consciência da responsabilidade do artista. Se para Suzuki (outro cineasta que estou acompanhando nesses dias), o cinema era diversão, estripulia, possibilidade de virar a vida pelo avesso, para Dreyer, o cinema era como a vida: um canto lúgubre, doloroso e extremamente simples. Quando digo simples, não quer dizer simplório: há uma grande complexidade por trás do simples cinema de Dreyer, seja em termos da psicologia dos personagens, seja em termos da mise-en-scene.

Para Dreyer, o cinema é tempo e espaço, e esse tempo-espaço, organizado pelo cineasta, equivale a uma visão de mundo e a uma forma como podem ser dispostas as coisas. Dreyer, pintor. Dreyer, arquiteto. Dreyer, psicólogo. Dreyer, técnico. Dreyer, fotógrafo. Dreyer, um pastor de ovelhas. Dreyer, artesão.

O cinema de Dreyer é realista porque para Dreyer cinema é vida. Ou mais. Porque a vida em si vale pouco, mais vale a vida além da vida. Nesse tempo prolongado, nesse espaço simples arregimentado para a ação, há uma estética realista, descritiva, de gestos e toques supervalorizados pela imanência da ação, pelos seus prolongamentos, pela economia de recursos cênicos.

Ao mesmo tempo, não conseguimos tirar o olho da cena, porque há uma tensão implícita. Parece que tudo está prestes a explodir. E até acaba explodindo, mas explodindo naturalmente. É como um prédio que não é implodido mas aos poucos vai caindo.

A ruína faz parte do cinema de Dreyer, porque é parte para a reconstrução.
É um cinema moral, de engajamento moral, de reedificação da moral do indivíduo.
Mas o faz através de um cinema da dúvida. Dúvida entre o bem e o mal, entre o que fazer e o que não fazer, entre o certo e o errado, mas na estética Dreyer nunca é duvidoso. Desde o início, o espectador sabe o que o diretor quer. Ou seja, fora da diegese não existe essa dúvida. Dreyer não mergulha na dúvida com os personagens, ele só não quer nos dar as respostas prontas. A narrativa tem uma distância desses personagens, pois é preciso.

Mas estou me perdendo. Vamos aos filmes.

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