Ave Dreyer (II)
Michael
de Carl Th. Dreyer
DVD, qua 19 21hs
** ½
É interessante ver Michael tendo em vista a posterior evolução da filmografia de Dreyer. Neste filme, todo um conjunto de elementos que posteriormente iriam ser desenvolvidos já se encontram aqui em estágio embrionário: a mise-en-scene austera, o realismo e a profundidade de campo, o “cinema de câmara” e a vocação pelos interiores, o tema da devoção amorosa e da traição, o conflito entre o bem e o mal, os tempos largos e uma certa obsessão pelos movimentos dentro do quadro e por um cinema descritivo.
Michael é também curioso tendo em vista o cinema alemão da época em que foi produzido. Realizado pela UFA, na época do fim do expressionismo, chegou a ser visto como um dos primeiros kammerspielfilm, e decerto ainda podemos detectar alguma influência do cinema alemão da época: o tom fatalista e a idéia de destino, os olhos (o corpo) como cárcere da alma, o preto-e-branco como reflexo das sombras da natureza humana, a visão decadentista. Mas esses elementos sofrem uma influência direta do tom pessoal do diretor, e num certo sentido, o mudo Michael é o primeiro filme em que o típico cinema de Dreyer irá desabrochar, tanto na mise-en-scene quanto no tema. É quase uma espécie de preparação para o derradeiro Gertrud, e as comparações com esse fazem ver como o cinema sonoro fez bem para o diretor: o realismo é parte intrínseca do cinema de Dreyer, e com o som o diretor pôde desenvolver o seu melhor cinema.
“Agora eu posso morrer pois já encontrei o verdadeiro amor”
Se aqui ainda há resquícios de um arroubo tipicamente romântico e um certo viés psicológico na figura do pintor decadente, que troca tudo pelo amor, em Gertrud esse mesmo tema irá ganhar contornos mais ambíguos e complexos.
Um pintor cria um aluno, um filho, e um amante. Os três em um, na figura de um garoto. O tema homossexual, de uma forma um tanto ambígua (incesto?) Mas esse filho precisa sair do colo paterno para ganhar sua própria vida. Precisa tanto se relacionar com outras mulheres quanto criar fora do universo do mestre. O filho/homem precisa ter seu próprio valor, sem ser à sombra do pai/mestre. Esse poderia ser um tema de um filme de Ozu. Mas para Dreyer, cinema é religião, cinema é psicologia e cinema também é sexo.
É curioso notar que todos os religiosos filmes de Dreyer falam de sexo, ou melhor, de um amor carnal. Mas o amor também gera atrito, morte e muitas vezes conduz à solidão.
Pintar os olhos, pois os olhos são espelho da alma. O corpo e a alma.
A parábola do filho pródigo: o filho retorna à casa não para pedir perdão. Volta para pegar mais dinheiro, e sequer retorna para a despedida ao pai.
“Agora eu posso morrer pois já encontrei o verdadeiro amor”
(versus)
“Estou viva?
Não,
Mas já amei”
Ave Dreyer
de Carl Th. Dreyer
DVD, qua 19 21hs
** ½
É interessante ver Michael tendo em vista a posterior evolução da filmografia de Dreyer. Neste filme, todo um conjunto de elementos que posteriormente iriam ser desenvolvidos já se encontram aqui em estágio embrionário: a mise-en-scene austera, o realismo e a profundidade de campo, o “cinema de câmara” e a vocação pelos interiores, o tema da devoção amorosa e da traição, o conflito entre o bem e o mal, os tempos largos e uma certa obsessão pelos movimentos dentro do quadro e por um cinema descritivo.
Michael é também curioso tendo em vista o cinema alemão da época em que foi produzido. Realizado pela UFA, na época do fim do expressionismo, chegou a ser visto como um dos primeiros kammerspielfilm, e decerto ainda podemos detectar alguma influência do cinema alemão da época: o tom fatalista e a idéia de destino, os olhos (o corpo) como cárcere da alma, o preto-e-branco como reflexo das sombras da natureza humana, a visão decadentista. Mas esses elementos sofrem uma influência direta do tom pessoal do diretor, e num certo sentido, o mudo Michael é o primeiro filme em que o típico cinema de Dreyer irá desabrochar, tanto na mise-en-scene quanto no tema. É quase uma espécie de preparação para o derradeiro Gertrud, e as comparações com esse fazem ver como o cinema sonoro fez bem para o diretor: o realismo é parte intrínseca do cinema de Dreyer, e com o som o diretor pôde desenvolver o seu melhor cinema.
“Agora eu posso morrer pois já encontrei o verdadeiro amor”
Se aqui ainda há resquícios de um arroubo tipicamente romântico e um certo viés psicológico na figura do pintor decadente, que troca tudo pelo amor, em Gertrud esse mesmo tema irá ganhar contornos mais ambíguos e complexos.
Um pintor cria um aluno, um filho, e um amante. Os três em um, na figura de um garoto. O tema homossexual, de uma forma um tanto ambígua (incesto?) Mas esse filho precisa sair do colo paterno para ganhar sua própria vida. Precisa tanto se relacionar com outras mulheres quanto criar fora do universo do mestre. O filho/homem precisa ter seu próprio valor, sem ser à sombra do pai/mestre. Esse poderia ser um tema de um filme de Ozu. Mas para Dreyer, cinema é religião, cinema é psicologia e cinema também é sexo.
É curioso notar que todos os religiosos filmes de Dreyer falam de sexo, ou melhor, de um amor carnal. Mas o amor também gera atrito, morte e muitas vezes conduz à solidão.
Pintar os olhos, pois os olhos são espelho da alma. O corpo e a alma.
A parábola do filho pródigo: o filho retorna à casa não para pedir perdão. Volta para pegar mais dinheiro, e sequer retorna para a despedida ao pai.
“Agora eu posso morrer pois já encontrei o verdadeiro amor”
(versus)
“Estou viva?
Não,
Mas já amei”
Ave Dreyer
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