Festival do Rio 2005

Festival do Rio 2005

Três Extremos, de Fruit Chan, Park Chan Wook e Takashi Miike *
Batalha no céu, de Carlos Reygadas ***
A última transa do presidente, de Sang-Soo *
O Mundo, de Jia ZhengKe ***
Uma escola muito especial, de Yoji Tamada 0
Espelho Mágico, de Manoel de Oliveira ***
Sex and philosophy, de Mohsen Makhmalbaff **
A Máquina, de João Falcão **½
Election, de Johnnie To ***
The Wayward Cloud, de Tsai Ming-Liang ***
Café Lumière, de Hou Hsiao-Hsien ***


Sex and philosophy
de Mohsen Makhmalbaff
São Luiz 3 dom 25 21:30
**

O fato lamentável foi ter que assistir a esse filme na sala lotada do São Luiz. O público do São Luiz não merece ver cinema, até parece que eles entraram na sala errada, já que na sala ao lado do filme iraniano do Makhmalbaff estava O Virgem de 40 anos. As pessoas riram durante o filme em cenas de dança e cerca de 30 pessoas foram embora antes de o filme acabar. Fora os cochichos, as gracinhas, enfim...

Mas vamos ao filme. Sex and philosophy é um filme atípico de Makhmalbaff porque foge tanto dos estereótipos da vertente “neo-realista” do cinema iraniano quanto da vertente “auto-reflexiva” cujo próprio diretor é um dos expoentes (Um Instante de Inocência, Salve o Cinema). Um filme muito simples, é uma tentativa de realizar um cinema de poesia (o protagonista, que narra a história, é um poeta), ingênuo, romântico, e que traz para a linguagem a tentativa de construção de um cinema que traduza um frescor, um desejo para a vida. Os primeiros quinze minutos são antológicos: um motorista de táxi convida quatro mulheres para chegarem no mesmo horário na escola de dança. Esse chamamento assume um tom exótico e místico que nos associa aos trabalhos de Paradjanov: a questão do olhar, a chave dentro da árvore, a voz off, as cores da cenografia, tudo compõe um cinema de linguagem altamente inventivo. Ao longo do filme, no entanto, quando seu entrecho se estabelece, Sex and Philosophy cai em algumas soluções óbvias, ou com efeitos que acabam não se realizando que faz o filme perder sua força, tornando-se na verdade um trabalho bastante irregular, mas que seduz em sua tentativa de promover um cinema dos sentidos e de escapar do cinema de sempre iraniano. Alguns belos planos e seqüências acabam ficando em nossa mente; outros momentos se tornam quase risíveis. Mas Makhmalbaff não tem medo de errar, e em sua sinceridade, em sua honestidade, e no seu desejo romântico de que a vida seja um tórrido e (por definição) incompleto caso de amor, Sex and Philosophy comprova uma espécie de entremeio na filmografia do diretor, bastante salutar. Por fim, a se destacar, a ousadia do tema do sexo e do corpo e do papel feminino na rígida sociedade iraniana.


A última transa do presidente
de Im Sang-Soo
Estação Ipanema sex 23 20hs
*

Exibido na Quinzena dos Realizadores em Cannes 2005, este filme se baseia no assassinato do presidente da Coréia do Sul para fazer quase que um pastelão, uma falsa crônica de costumes que denuncia a futilidade das elites e das autoridades sul-coreanas. Por isso, espanta a ousadia do tratamento, e o tom dado pelo diretor Sang-Soo: o da comédia de equívocos. Com um pitada forte de humor negro, A Última Transa do Presidente nitidamente falseia o documental: o filme torna-se mais uma paródia dos acontecimentos do que propriamente um olhar sobre o ocorrido. No entanto, o filme perde a sua força por adotar a estrutura de um thriller americano, tornando seu argumento muito mais instigante do que a realização em si, repleta de clichês e sem muita inspiração. Com isso, acaba se tornando óbvio e redundante no seu terço final. Os personagens acabam virando estereótipos sem um perfil individual próprio, reduzindo o interesse em torno dessas personalidades e das pessoas em seu “entorno”. Por isso, se não soubéssemos de que se trata de uma paródia de um caso real, A última transa do presidente seria uma espécie de telefilme de ação, um pouco melhor realizado. O que comprova por si só que o desejo de cinema passam por longe do cinema de Sang-Soo, que nesse caso se ancorou apenas no escândalo e se esqeuceu do cinema.


A Máquina
de João Falcão
Odeon seg 26 setembro 12:00
**½

Uma bela surpresa. A Máquina vem comprovando os novos rumos da Diler Produções. Consciente de que o poço do sucesso fácil, dos filmes da Xuxa, Trapalhões e Padre Marcelo Rossi está quase secando, Diler está tentando diversificar a cartela da sua produtora, aproveitando uma safra de vacas magras e sua habilidade como produtor para levantar recursos pelas leis de incentivo. A Máquina, filme de estréia de João Falcão, é o projeto ideal dessa nova fase da Diler, e na verdade espelha toda uma tentativa de um cinema brasileiro: uma ponte hábil entre o cinema popular (ou ainda, o cinema de produção, o apoio da Globo Filmes, etc.) com um cinema mais autoral (ou ainda, o cinema de linguagem, o cinema anti-televisivo). Pois A Máquina consegue, e mesmo ancorado numa proposta de cinema popular, nunca abandona um desejo intenso pela linguagem e uma vontade doida de filmar na corda-bamba, de utilizar os recursos do cinema. Daí que sua referência primeira vem dos filmes de Guel Arraes, e se torna quase improvável ver A Máquina sem nos remeter a Lisbela e o Prisioneiro: o discurso verbal e a atenção para a fala, para a oralidade como recurso expressivo; as mudanças de tom que dialogam com os diversos gêneros dentro do mesmo filme (o romance, a comédia, o dramalhão, o musical), ou ainda a tentativa de se fazer um filme tanto para o público masculino quando feminino; o cinema de montagem frenético e a intertextualidade (o videoclipe dentro do filme, a reportagem de televisão dentro do filme). A Máquina consegue, de forma simples, fazer uma ponte entre o cinema regional e o universal, como o cinema brasileiro muito tenta mas pouco consegue: o humilde morador de Nordestina (Gustavo Falcão) quer ir para a cidade grande com o único objetivo de trazer o mundo para sua amada (Mariana Ximenes). É através desse desejo louco de conquistar o mundo apenas para ter o seu amor que o filme se equilibra entre o delírio e a paixão, entre o cinema e o mercado. Impressiona também a habilidade do estreante João Falcão de promover mudanças de ritmo e tom ao filme, e ainda de filmar com um vigor de linguagem que nos passa a impressão de que o filme está sempre na corda-bamba, como se o diretor quisesse testar o tempo todo sua própria capacidade de inventar um fabulário que se confundisse com a própria essência do cinema. A história assume-se como um faz-de-contas, já que é narrada por um contador de histórias, que se revela ao final seu próprio protagonista: ficção e realidade, absurdo e realismo, ou seja, cinema e vida. Emocionante (a cena do primeiro beijo entre o casal principal é uma das mais acertadas cenas de amor dos últimos anos do cinema brasileiro) e ousado (como lhe é possível), A Máquina, além de despertar um cineasta promissor, prenuncia que o cinema de produção brasileiro (a Diler) também pode gerar bons frutos se apoiado numa proposta de um cinema moderno e de talento. Que sirva de inspiração para outros cineastas e produtores.

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