EXPERIÊNCIAS DE TIRADENTES (V)
Revendo Sábado à Noite, desta vez na tela grande, a impressão que me fica é que o filme nos faz reaprender o sentido de olhar para as coisas, ele reelabora o significado de olhar para a cidade e para a vida e as pessoas nela. E talvez essa seja a maior e mais genuína vocação de um documentário (para não dizer do cinema). A elegância desse singular filme do Ivo Lopes Araújo surge a partir dessa nobreza. Nisso, Sábado à Noite se aproxima (por que não?) do cinema de Jonas Mekas. Revendo, percebo que Ivo cedeu a tentação de fazer todo o filme numa só direção, com planos longos e estáticos, e intercalou planos curtos, câmera na mão, etc. Mas a generosidade desse seu olhar faz com que o filme não seja formalista, o que talvez seja o maior mérito do filme. O debate sobre o filme em Tiradentes mostra que nem tudo está perdido: havendo um certo carinho na recepção de um trabalho como esse, os frutos surgem por si. Falou-se de coisas muito interessantes: o diálogo com as vanguardas do início do século, a importância de “perder-se na cidade” comparando-se ao desejo do espectador de “deixar-se perder nas imagens”, etc, etc.
* * *
Cleópatra
De Júlio Bressane
Cine-Tenda dom 20 22hs
**
O que dizer sobre o filme-cometa de Júlio Bressane, sobre o enigmático, polêmico e desafiador Cleópatra? Depois de mais de trinta anos realizando filmes baratos e rápidos, Bressane finalmente teve a oportunidade de fazer um filme com uma estrutura de produção com que nunca sonhou. Um orçamento milionário (R$ 3 milhões captados pelas leis de incentivo) para falar sobre o mito de Cleópatra, usando os globais Alessandra Negrini e Miguel Falabela como protagonistas. Muito bem, com tudo isso, o que Bressane fez? Um filme mais popular, um exercício com a narrativa clássica? Tentou garantir sua inclusão na “elite cinematográfica”? Resolveu fazer “o filme da sua vida”? Nada disso. O que Bressane fez foi dar uma furiosa gargalhada em toda essa parafernália de produção, e simplesmente fez o seu filme de sempre, continuou a perseguir seus objetivos particulares no cinema. Isso é fantástico, porque um dos principais temas do filme é o escárnio do poder, e cinema é poder. Pela coragem e pela agressividade dessa sua gargalhada, é indiscutível que Cleópatra permanecerá para sempre como um dos maiores libelos do cinema brasileiro em defesa da liberdade de criação. Por outro lado, não deixa de espelhar uma certa ingenuidade. Essa mesma ingenuidade é que tem me fascinado e perturbado em muito, em muito. O público, por sua vez, tenta rir para disfarçar seu constrangimento. O filme é de fato inacreditável.
Se eu posso falar alguma coisa sobre Cleópatra, são duas. Uma: é como se Bressane filmasse Cleópatra vista pelos modernistas da Semana de 22. Duas: o tom do filme é uma mistura de uma chanchada da Atlântida com Othon, de Jean-Marie Straub. É isso o que eu consigo dizer sobre o filme.
O mundo se chama mundo porque ele é imundo.
* * *
Corpo
de Rubens Rewald e Rossana Foglia
Cine-Tenda ter 22 20hs
*
Corpo não é ruim, tem méritos. Mas é como o cinema brasileiro: indeciso entre ser um thriller de suspense americano e um filme mais autoral sobre a identidade, acaba oscilando de tom e não sendo nem uma coisa nem outra. Uma pena, pois o filme mostra que os diretores conhecem decupagem, tem (mais um) ótimo desempenho de Leonardo Medeiros e esbarra em questões de identidade que poderiam ser interessantes. Poderiam. Não chega a ser uma decepção mas é um filme que nunca empolga, um filme morno. Tanto que isso é o que tenho a falar sobre ele, ainda mais que o vi no meio de muita febre.
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Cleópatra
De Júlio Bressane
Cine-Tenda dom 20 22hs
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O que dizer sobre o filme-cometa de Júlio Bressane, sobre o enigmático, polêmico e desafiador Cleópatra? Depois de mais de trinta anos realizando filmes baratos e rápidos, Bressane finalmente teve a oportunidade de fazer um filme com uma estrutura de produção com que nunca sonhou. Um orçamento milionário (R$ 3 milhões captados pelas leis de incentivo) para falar sobre o mito de Cleópatra, usando os globais Alessandra Negrini e Miguel Falabela como protagonistas. Muito bem, com tudo isso, o que Bressane fez? Um filme mais popular, um exercício com a narrativa clássica? Tentou garantir sua inclusão na “elite cinematográfica”? Resolveu fazer “o filme da sua vida”? Nada disso. O que Bressane fez foi dar uma furiosa gargalhada em toda essa parafernália de produção, e simplesmente fez o seu filme de sempre, continuou a perseguir seus objetivos particulares no cinema. Isso é fantástico, porque um dos principais temas do filme é o escárnio do poder, e cinema é poder. Pela coragem e pela agressividade dessa sua gargalhada, é indiscutível que Cleópatra permanecerá para sempre como um dos maiores libelos do cinema brasileiro em defesa da liberdade de criação. Por outro lado, não deixa de espelhar uma certa ingenuidade. Essa mesma ingenuidade é que tem me fascinado e perturbado em muito, em muito. O público, por sua vez, tenta rir para disfarçar seu constrangimento. O filme é de fato inacreditável.
Se eu posso falar alguma coisa sobre Cleópatra, são duas. Uma: é como se Bressane filmasse Cleópatra vista pelos modernistas da Semana de 22. Duas: o tom do filme é uma mistura de uma chanchada da Atlântida com Othon, de Jean-Marie Straub. É isso o que eu consigo dizer sobre o filme.
O mundo se chama mundo porque ele é imundo.
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Corpo
de Rubens Rewald e Rossana Foglia
Cine-Tenda ter 22 20hs
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Corpo não é ruim, tem méritos. Mas é como o cinema brasileiro: indeciso entre ser um thriller de suspense americano e um filme mais autoral sobre a identidade, acaba oscilando de tom e não sendo nem uma coisa nem outra. Uma pena, pois o filme mostra que os diretores conhecem decupagem, tem (mais um) ótimo desempenho de Leonardo Medeiros e esbarra em questões de identidade que poderiam ser interessantes. Poderiam. Não chega a ser uma decepção mas é um filme que nunca empolga, um filme morno. Tanto que isso é o que tenho a falar sobre ele, ainda mais que o vi no meio de muita febre.
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Comentários
Muito bom, o seu blog, desses que dá vontade de ler até o último post.
Sou editora de uma revista nova, independente, chamada Contemporânea. Criei um blog para ela, e já adicionei lá o link do seu blog. Como o blog da revista trata de todo assunto pertinente à cultura, a cada dia teremos lá matérias de uma área (cinema, teatro, literatura, etc). Quero convidá-lo a participar, enviando um post para nós uma vez por semana ou a cada 15 dias. Esperamos, assim, ampliar o diálogo com outros blogs, criar algo bem dinâmico e fazer a (boa) informação rodar pelo maior número de lugares possível.
Parabéns pelo blog!
Juliana Leite