MFL
Começa mais uma curadoria da Mostra do Filme Livre. Vamos lá à maratona de ver quase 300 filmes em um mês. A ética que vá para o espaço porque eu tô com uma vontade danada de falar sobre alguns dos filmes, e na curadoria não tenho mais saco pra trocar idéias sobre nada.
Alguma coisa assim - incrível Esmir Filho com 23 anos ter chegado a Cannes. É um cara que veio para ficar, tem um trabalho coerente com os elementos de linguagem, uma obsessão técnica impressionante, um cuidado com o acabamento, que sempre é importante. Acontece que ele não tem muito o que dizer, mas, por ser bem novo, acho que tem todo um caminho pela frente. Eu não gostei nada de Ímpar Par, mas respeito sua tentativa de fazer um cinema de decupagem, embora o filme seja muito falso. Nesse Alguma Coisa Assim, não, é um trabalho de entrega, e nisso ele é muitos passos a frente do que o anterior. O começo do curta, na discoteca, ou ainda antes, com o casal andando pelas ruas noturnas, tem uma energia, uma vontade de cinema, um domínio da linguagem, raros num curta brasileiro contemporâneo. Me deixou impressionado. Mas depois tem uns lugares-comuns esp no supermercado, e dessa indecisão da adolescência que me aborreceram. O filme vai perdendo o fôlego no supermercado. Mas o filme tem o mérito de não querer tirar conclusões, dessa descoberta da sexualidade ser mais honesta, e isso é bacana. E um final bonito, que mostra que Esmir Filho viu Encontros e Desencontros da forma certa, e que ele vai buscando seu cinema, e que está caminhando nesse sentido. Então é legal, porque o curta é isso mesmo.
Manual para atropelar cachorros - o tabalho do Rafael Primo é estranho. Ele tem um olhar de cinema que não concordo, mas ao mesmo tempo é claro que ele vem desenvolvendo esse olhar de fcorma coerente. Aqui ele não trabalha com sua sempre companheira Flavia Rea, e acaba sendo o trabalho mais pessoal de Primo. Tem uns cacoetes de um cinema moderninho americano que definitivamente eu não gosto, mas ao mesmo tempo, tem um trabalho de entrega pessoal, é extremamente competente em relação à artesania e é um trabalho de quem sabe o que quer. E eu acho que o curta é isso, um trabalho de descoberta, de exploração das potencialidades do realizador enquanto realizador, de mostrar o que ele é capaz, o que lhe interessa em cinema e no mundo, e esse curta faz isso. Tenho uma relação estranha com esse curta: ao mesmo tempo que tem coisas que eu não gosto nada, tem coisas que eu compertilho muito sobre essa solidão e essa dificuldade de externalizar os sentimentos, repressão da sexualidade, etc. Só achei o final forçado demais. Não é um curta que eu compartilho mas que achei interessante. Ou seja, se eu fosse produtor, eu investia nesse cara.
O maior espetáculo da terra - compartilho com muitas coisas desse doc do marcos pimentel: seu olhar atento aos tempos mortos, à rotina de preparação, ao cinema que observa sem julgar, dessa "anti-espetacuylarização" da magia do circo e do palahaço. Mas acontece que no final ficou uma decepção, porque o filme não consegue costurar um olhar a partir desses pressupostos ( ou seja, eu gosto muito mais do pressuposto do que da realização, do filme em si). Principalmente da montagem e da câmera, que me incomodaram muito. Penso em Noites de Circo, do Bergman, e em como o filme deixa escapar isso, e acaba sendo um filme frio, ao invés de desconstruir essa distância a favor de um cinema rigoroso mas intenso.
Mataram meu gato - eu tenho uma implicância muito grande com esses filmes que falam do morro, de uma malandragem, de uma periferia, de uma escola de samba, feitos pelos mauricinhos cariocas, porque é o olhar de sempre. Como me irrita esse lace de entrevista com favela ao fundo. O filme é correto tecnicamente, bem feito, tem um trabalho de pesquisa, etc, ele só não tem um olhar, uma proposta de cinema, e fica um "balaio de gatos": indeciso se é uma visão crítica sobre a desapropriação, sobre a escola de samba, sobre a vida dessas pessoas, etc, acaba sendo um filme sobre nada, o que é agravado por uma montagem capenga que não consegue dar nenhuma unidade ao filme.
Joyce - o melhor filme que vi até agora se chama Joyce. é de uma menina bastante nova, Caroline Leone, que ganhou o prêmio de revelação no festival de são paulo com o elogiado Dalva (que eu não vi), e com os recursos conseguiu fazer esse filme. Esse curta é sensacional porque é um alienígena dentro do cinema brasileiro, porque é extremamente antenado com o que está se fazendo de top no cinema contemporâneo, comparável talvez apenas com O Céu de Suely. A periferia, a favela, a infância sem arroubos de exploração, vitimização ou o discurso de sempre. O anti-Cidade de Deus. Um filme humano sobre essas pessoas, que ao invés de julgar, vai acompanhar essas personagens. A mistura orgânica entre doc e ficção. A importância da geografia física. O tempo-espaço. A rotina e os dias e as noites. A solidão das grandes cidades, é sempre tudo igual. Um cinema humano que se quer simples, não se quer psicológico, não quer julgar, mas quer dar uma palavra de carinho. Simples, belo, mas acima de tudo muito coerente com uma proposta de cinema que aqui aparece cristalina, Joyce é um dos melhores curtas que vi em tempos.
Eu sou como um polvo - puta que o pariu, o Sávio Leite é mais conhecido por suas animações mas quando ele filma imagens ele demonstra um talento muito maior. Ano passado eu já tinha visto uma videodança filmada por ele, que vai além do registro para buscar um sentimento do espaço em torno e não só do corpo, e ao mesmo tempo um respeito pela observação da coereografia que me fascinaram (a videodança vira um filme sobre o olhar). Mas este Eu sou um polvo é uma pérola, uma grande surpresa, um filme caseiro simples, surpreendente pela sua enorme objetividade e singeleza.Lourenço Mutarelli (o quadrinista, agora escritor) fala do que representa a arte para ele. É um filme sobre o processo de criação. Como em Os mistérios de Picasso, Mutarelli traça. Enquanto traça, e ouvimos uma voz-over extremamente pessoal desconcertante, Sávio Leite também traça, de forma invisível com sua câmera caneta, mas de forma discreta, observando, dando esse tempo. Esse curta é maravilhoso. Sem ser uma autobiografia oficialesca, coloca o autor no processo de criação, e como isso está intimamente relacionado com a vida. E Leite, de forma simples, observa, mas com uma acuidade quase oriental. Esse filme eu vi umas três vezes seguidas e me impressionou muito. Até porque eu tenho a mesma relação com o processo de criação do que o Mutarelli.
A chuva nos telhados antigos - eu gosto muito do Rafael Conde, uma pessoa séria, discreta, mineira, que quer fazer um cinema de corte clássico mas que estuda os personagens e a atuação e é uma pessoa que não quer aparecer. Por isso mesmo eu fiquei muito triste ao final desse curta, porque ele erra tudo. À maneira de Françoise, é um trabalho de contenção, baseado na expressão do ator. Só que os atores estão péssimos, a decupagem não funciona e os diálogos são sofríveis. É disparado o pior filme do Conde. Fica a preocupação do que Conde fará com o belo romance de Cornélio Pena, chamado Fronteira, que é muito pouco conhecido, mas que é um belo livro, assim como a obra do Pena, que é muito bonita, elegante, e merece uma adaptação à altura.
A mochila do mascate - é visível que a Gabi Greeb é uma pessoa com sensibilidade que conhece cinema, e mesmo diante de um respeito absurdo quanto ao homenageado (o filme é de homenagem, um tanto chapa branca), ela extrapola o que poderia ser um filme convencional para trabalhar com uma imagem poética, associações sugestivas entre imagens e sons. O filme cai um pouco na segunda metade, quando vai pros depoimentos. É no fundo um trabalho muito simples, mas que revela uma sensibilidade para o filme e um respeito ao homenageado. Nada demais, mas certamente acima da média do que o cinema brasileiro vem fazendo. Um trabalho de rara elegância e singeleza.
Alguma coisa assim - incrível Esmir Filho com 23 anos ter chegado a Cannes. É um cara que veio para ficar, tem um trabalho coerente com os elementos de linguagem, uma obsessão técnica impressionante, um cuidado com o acabamento, que sempre é importante. Acontece que ele não tem muito o que dizer, mas, por ser bem novo, acho que tem todo um caminho pela frente. Eu não gostei nada de Ímpar Par, mas respeito sua tentativa de fazer um cinema de decupagem, embora o filme seja muito falso. Nesse Alguma Coisa Assim, não, é um trabalho de entrega, e nisso ele é muitos passos a frente do que o anterior. O começo do curta, na discoteca, ou ainda antes, com o casal andando pelas ruas noturnas, tem uma energia, uma vontade de cinema, um domínio da linguagem, raros num curta brasileiro contemporâneo. Me deixou impressionado. Mas depois tem uns lugares-comuns esp no supermercado, e dessa indecisão da adolescência que me aborreceram. O filme vai perdendo o fôlego no supermercado. Mas o filme tem o mérito de não querer tirar conclusões, dessa descoberta da sexualidade ser mais honesta, e isso é bacana. E um final bonito, que mostra que Esmir Filho viu Encontros e Desencontros da forma certa, e que ele vai buscando seu cinema, e que está caminhando nesse sentido. Então é legal, porque o curta é isso mesmo.
Manual para atropelar cachorros - o tabalho do Rafael Primo é estranho. Ele tem um olhar de cinema que não concordo, mas ao mesmo tempo é claro que ele vem desenvolvendo esse olhar de fcorma coerente. Aqui ele não trabalha com sua sempre companheira Flavia Rea, e acaba sendo o trabalho mais pessoal de Primo. Tem uns cacoetes de um cinema moderninho americano que definitivamente eu não gosto, mas ao mesmo tempo, tem um trabalho de entrega pessoal, é extremamente competente em relação à artesania e é um trabalho de quem sabe o que quer. E eu acho que o curta é isso, um trabalho de descoberta, de exploração das potencialidades do realizador enquanto realizador, de mostrar o que ele é capaz, o que lhe interessa em cinema e no mundo, e esse curta faz isso. Tenho uma relação estranha com esse curta: ao mesmo tempo que tem coisas que eu não gosto nada, tem coisas que eu compertilho muito sobre essa solidão e essa dificuldade de externalizar os sentimentos, repressão da sexualidade, etc. Só achei o final forçado demais. Não é um curta que eu compartilho mas que achei interessante. Ou seja, se eu fosse produtor, eu investia nesse cara.
O maior espetáculo da terra - compartilho com muitas coisas desse doc do marcos pimentel: seu olhar atento aos tempos mortos, à rotina de preparação, ao cinema que observa sem julgar, dessa "anti-espetacuylarização" da magia do circo e do palahaço. Mas acontece que no final ficou uma decepção, porque o filme não consegue costurar um olhar a partir desses pressupostos ( ou seja, eu gosto muito mais do pressuposto do que da realização, do filme em si). Principalmente da montagem e da câmera, que me incomodaram muito. Penso em Noites de Circo, do Bergman, e em como o filme deixa escapar isso, e acaba sendo um filme frio, ao invés de desconstruir essa distância a favor de um cinema rigoroso mas intenso.
Mataram meu gato - eu tenho uma implicância muito grande com esses filmes que falam do morro, de uma malandragem, de uma periferia, de uma escola de samba, feitos pelos mauricinhos cariocas, porque é o olhar de sempre. Como me irrita esse lace de entrevista com favela ao fundo. O filme é correto tecnicamente, bem feito, tem um trabalho de pesquisa, etc, ele só não tem um olhar, uma proposta de cinema, e fica um "balaio de gatos": indeciso se é uma visão crítica sobre a desapropriação, sobre a escola de samba, sobre a vida dessas pessoas, etc, acaba sendo um filme sobre nada, o que é agravado por uma montagem capenga que não consegue dar nenhuma unidade ao filme.
Joyce - o melhor filme que vi até agora se chama Joyce. é de uma menina bastante nova, Caroline Leone, que ganhou o prêmio de revelação no festival de são paulo com o elogiado Dalva (que eu não vi), e com os recursos conseguiu fazer esse filme. Esse curta é sensacional porque é um alienígena dentro do cinema brasileiro, porque é extremamente antenado com o que está se fazendo de top no cinema contemporâneo, comparável talvez apenas com O Céu de Suely. A periferia, a favela, a infância sem arroubos de exploração, vitimização ou o discurso de sempre. O anti-Cidade de Deus. Um filme humano sobre essas pessoas, que ao invés de julgar, vai acompanhar essas personagens. A mistura orgânica entre doc e ficção. A importância da geografia física. O tempo-espaço. A rotina e os dias e as noites. A solidão das grandes cidades, é sempre tudo igual. Um cinema humano que se quer simples, não se quer psicológico, não quer julgar, mas quer dar uma palavra de carinho. Simples, belo, mas acima de tudo muito coerente com uma proposta de cinema que aqui aparece cristalina, Joyce é um dos melhores curtas que vi em tempos.
Eu sou como um polvo - puta que o pariu, o Sávio Leite é mais conhecido por suas animações mas quando ele filma imagens ele demonstra um talento muito maior. Ano passado eu já tinha visto uma videodança filmada por ele, que vai além do registro para buscar um sentimento do espaço em torno e não só do corpo, e ao mesmo tempo um respeito pela observação da coereografia que me fascinaram (a videodança vira um filme sobre o olhar). Mas este Eu sou um polvo é uma pérola, uma grande surpresa, um filme caseiro simples, surpreendente pela sua enorme objetividade e singeleza.Lourenço Mutarelli (o quadrinista, agora escritor) fala do que representa a arte para ele. É um filme sobre o processo de criação. Como em Os mistérios de Picasso, Mutarelli traça. Enquanto traça, e ouvimos uma voz-over extremamente pessoal desconcertante, Sávio Leite também traça, de forma invisível com sua câmera caneta, mas de forma discreta, observando, dando esse tempo. Esse curta é maravilhoso. Sem ser uma autobiografia oficialesca, coloca o autor no processo de criação, e como isso está intimamente relacionado com a vida. E Leite, de forma simples, observa, mas com uma acuidade quase oriental. Esse filme eu vi umas três vezes seguidas e me impressionou muito. Até porque eu tenho a mesma relação com o processo de criação do que o Mutarelli.
A chuva nos telhados antigos - eu gosto muito do Rafael Conde, uma pessoa séria, discreta, mineira, que quer fazer um cinema de corte clássico mas que estuda os personagens e a atuação e é uma pessoa que não quer aparecer. Por isso mesmo eu fiquei muito triste ao final desse curta, porque ele erra tudo. À maneira de Françoise, é um trabalho de contenção, baseado na expressão do ator. Só que os atores estão péssimos, a decupagem não funciona e os diálogos são sofríveis. É disparado o pior filme do Conde. Fica a preocupação do que Conde fará com o belo romance de Cornélio Pena, chamado Fronteira, que é muito pouco conhecido, mas que é um belo livro, assim como a obra do Pena, que é muito bonita, elegante, e merece uma adaptação à altura.
A mochila do mascate - é visível que a Gabi Greeb é uma pessoa com sensibilidade que conhece cinema, e mesmo diante de um respeito absurdo quanto ao homenageado (o filme é de homenagem, um tanto chapa branca), ela extrapola o que poderia ser um filme convencional para trabalhar com uma imagem poética, associações sugestivas entre imagens e sons. O filme cai um pouco na segunda metade, quando vai pros depoimentos. É no fundo um trabalho muito simples, mas que revela uma sensibilidade para o filme e um respeito ao homenageado. Nada demais, mas certamente acima da média do que o cinema brasileiro vem fazendo. Um trabalho de rara elegância e singeleza.
Comentários
Vou comentar os filmes do Wakamatsu em breve...
Mas o que me atraiu ao seu blog foi a menção à produção cinematográfica recente, à qual não tenho tido contato (só vou ao Brasil de 6 em 6 meses...)
valeu
RAFAEL PRIMO-diretor e ator.