Anjos do Sol
Anjos do Sol
De Rudi Lagemann
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Anjos do Sol é um filme de estreante, uma produção contemplada num edital de baixo orçamento (BO) do MINC, que (supostamente) fala sobre as mazelas brasileiras, com um tema (supostamente) polêmico: a prostituição infantil. Pretende dessa forma ser um filme-denúncia a uma realidade do norte-nordeste do Brasil, onde meninas são vendidas pelos pais para se prostituírem, vivendo em condições de semi-escravidão.
Mas qual é a forma que Anjos do Sol encontra para fazer isso? Pela descrição, pensamos a princípio em um pesado melodrama que torna as meninas vítimas de um contexto social de miséria e de exploração da miséria.
Não deixa de ser isso, mas é um pouco pior. A forma é a da caricatura. A forma é a do medo e da estrutura narrativa mais convencional.
A primeira parte do filme mostra como as meninas chegam lá. Depois, como lá é ruim. Em seguida, como tentam fugir e não conseguem. Quem tenta fugir e não consegue, morre. Antonio Calloni, o dono do bordel, é um cara mau. Ele é uma espécie de lobo mau em torno de várias chapeuzinhos vermelhos. Não é a toa que há uma perseguição na floresta quando Calloni vai atrás das meninas. O filme quer que pensemos que ele no fundo gosta que elas fujam, só para poder capturá-las e mostrar o seu poder. O filme acentua as cenas de perseguição porque seu objetivo é passar o medo, a desgraça.
O diretor de cinema (ainda mais num cinema mais tradicional) é definido pelo TOM que escolhe dar a um roteiro, a uma história. O tom de Anjos do Sol é o da caricatura. De uma certa ironia mórbida. Isso pode ser visto nos personagens do Calloni e do Chico Diaz (ambos péssimos).
Em termos de cinema, da linguagem do cinema, a coisa piora. A edição, o enquadramento, as atuações, a mise-en-scene, os deslocamentos dentro do quadro, os diálogos, a direção de arte, o uso do som, são todos primários e às vezes constrangedores.
Na parte final, há uma mudança de interesse. A menina consegue fugir. Vai pra cidade grande, mas descobre que lá tudo é igual a antes. Só lhe resta ser prostituta da mesma forma, e ela foge? Para onde? Pede uma carona prum caminhoneiro, que lhe pergunta o que ela pode lhe dar em troca.
Pode até ser interessante, mas pensamos por exemplo num Aopção, o filme do Ozualdo Candeias que mostram mulheres nos canaviais que viram “rosas da estrada” para poderem chegar na cidade grande. No filme do Candeias, não há espaço para a caricatura, não há espaço para os falsos dilemas morais, não há espaço para as perseguições do vilão ao herói. Há sim um profundo sentimento da descrição física desse estado de inércia em termos de um percurso, há também um profundo desejo de mudar dessas mulheres e um olhar profundo e complexo sobre a possibilidade dessa mudança.
Em Anjos do Sol não. O diretor ficou nove anos pesquisando para fazer o filme. Parece pesquisa de um grupo de alunos da quinta série ginasial. Tudo o que está no filme nós já sabemos. Quem vê o Fantástico (e até quem não vê como é o meu caso), já sabe disso, que há centenas de meninas prostituídas no norte-nordeste, que os pais a vendem para exploradores que só dão pão e água para elas, e que elas querem fugir mas não conseguem, e que várias são mortas por maus tratos ou mesmo por doenças.
Até aí nada demais. Mas como o cinema pode tratar esse fato, seja de uma forma digna, seja de uma forma menos esquemática?
A última pergunta que nos resta é porque Anjos do Sol conseguiu ser lançado com quase 50 cópias com apoio (inclusive de cross media, apesar de modesto) da Globo Filmes? Por que será? A minha avaliação é muito parecida com a do Pedro Butcher, em sua entrevista para o pessoal do contra.
Comentários
abs.
Engraçado... tava postando um texto/desabafo sobre o filme quando vi que vc também o tinha feito. E o pior é que o cara ainda diz que o desejo dele é que o filme colabore para a erradicação da prostituição... enfim...