O Segredo de Bareback Mountain, ou melhor,

O Segredo de Brokeback Mountain

De Ang Lee

Estação Paissandu seg 6 19:10

***

 

Gosto muito do cinema do Ang Lee (com exceção de Hulk) mas depois de toda a badalação em torno do filme, estava meio sem saco (ops...) para vê-lo. Mas afinal o vi, e achei um filme do cacete (ops...).

 

Meu principal interesse no filme nem foi pelo “retrato humano do relacionamento gay”, como tanto se falou, embora isso evidentemente tenha um grande peso no filme. Meu fascínio em relação ao filme se baseou em dois pontos: i) a brilhante forma como Ang Lee filmou essa história simples, como ele usou a linguagem do cinema de forma criativa, que só poderia ter sido feita por um oriental; e ii) como o filme confirma minha visão do cinema de Ang Lee como uma tentativa de promover uma ponte entre Oriente e Ocidente de forma.

 

Se o cinema é feito de enquadramento, luz e corte, então Brokeback Mountain é feito de cinema. A fotografia do filme (não sei porquê ao certo) foi uma das mais impressionantes que vi em muito tempo: a luz deu um volume e uma textura que acentuou a vocação trágica dessa história. A direção de arte é fantástica, recuperando uma visão do interior americano que dialoga com a geração realista do início do século, especialmente Edward Hopper. O enquadramento – extremamente sóbrio e sem espalhafatos – encontra a distância certa, precisa, exata, para contar essa história. O tempo, e o corte, do filme é primoroso: as revelações são rápidas, abruptas, o que valorizam a idéia do “instinto”, da “natureza indomável” que está presente no filme: a primeira cena de sexo entre os dois, a gravidez da futura mulher de Jack Twist, a descoberta da esposa da homossexualidade de Ennis del Mar, a súbita morte deste, etc. a transição para os tempos fortes é feita sem preparação, como no cinema moderno, e em seguida se debruça longamente, reflexivamente sobre as conseqüências desse ato que nos pega de surpresa. Ou seja, o filme tem respiros de observações dessa rotina que permitem um olhar intimista e que valorizam o tempo cotidiano, mas que são complementados por transformações rápidas e inesperadas.

 

Por outro lado, Ang Lee comprova ser um diretor extremamente preocupado em promover uma ponte possível entre a cultura oriental e ocidental. Dentro desse ponto de vista, sua contribuição como um artista contemporâneo não pode ser desprezada. Dentro do cinema comercial hollywoodiano, Ang Lee propõe um interstício criativo. Este Brokeback é quase o avesso de O Tigre e o Dragão: se neste havia uma proposta de trabalhar com a base da dramaturgia oriental (o filme de luta) para “traduzi-lo” para as necessidades do filme de ação americano (como Hulk é seu antípoda), em Brokeback, Lee trabalha com o cinema de gênero americano, e com a base do cinema americano – o western – para inserir elementos do cinema e do modo de vida orientais. Lee, mais que humanizar o western (pois isso já se via desde Shane), promove um cinema que valoriza a observação, os silêncios, a contenção na expressão dos sentimentos, ampliando os potenciais narrativos da codificada narrativa americana. O personagem de Heath Ledger (Ennis Del Mar) é como se fosse um cawboy representado por Chishu Ryu (o ator dos filmes de Ozu): introspectivo, solitário, com uma enorme capacidade de expressão. E mais: desde Hud não se via um filme que toca na questão do western como símbolo da decadência de um certo modo de vida da nação americana (o norte industrial vencendo o sul agrário).

 

No fundo, Brokeback se revela um filme sobre a tragicidade da razão, que sepulta o instinto humano, ou ainda, sobre como nunca conseguimos ser o que realmente gostaríamos de ser, dado que vivemos em sociedade. E não é que não consigamos por uma covardia nossa, mas porque viver em sociedade é por definição achatar as diferenças e oprimir a liberdade. E, claro, é um filme sobre a solidão da condição humana.

 

O filme possui cenas maravilhosas. Por exemplo, quando Ennis del Mar fala a Jack Twist que este atrasou toda a sua vida. Outra, quando Ennis del Mar visita os pais de Twist e entre no quarto dele, agora já morto. Ou ainda, a seqüência final, quando sabemos do casamento, e o último plano do filme, em que, de uma foto pendurada no guarda-roupa, uma pan revela a própria moldura da paisagem vista pela janela (um quadro dentro do quadro).

Comentários

Anônimo disse…
Marcelo,

Você recebeu meu e-mail? Vamos fazer um dossiê Tonacci para Etcetera número 20? E a coluna na revista?
Entre em contato.

forte abraço,
Sandro

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