Palácio de Verão

de Lou Ye

** ½

 

Embora eu não tenha gostado nada do elogiado filme de estréia de Lou Ye (O Rio Souzhou, que espero um dia conseguir rever), seu filme seguinte, A Borboleta Púrpura, me encantou por, mesmo dentro de um cinema de estúdio de grande opulência visual, conseguir imprimir uma marca pessoal. Neste Palácio de Verão, a história se repete: um filme que a princípio teria tudo para ser acadêmico, banal, torna-se matéria viva pelo desejo do realizador por uma linguagem, por fazer um trabalho criativo, com os elementos de linguagem. De novo, a história é banal: a história como pano de fundo para as transformações da adolescência para a fase adulta e os conflitos amorosos de uma mulher em busca de se descobrir. Os chineses não são os japoneses (ouvi uma frase perfeita que diz que “os chineses são os latinos do Oriente”), então toda a sua relação com a descoberta do corpo, da sexualidade e da conquista amorosa é vista sob outra perspectiva.

 

Pensamos no filme romeno Como Festejei o Fim do Mundo, ou seja, no típico filme de arte para exportação, em que a história é pano de fundo para a questão amorosa vista de forma convencional (embora o filme tenha lances interessantes). Mas aqui Lou Ye, entre os limites desse cinema acadêmico, vai fazer um trabalho de cinema porque a linguagem do filme é delirante, moderna, e a busca dessa mulher por uma liberdade amorosa é acompanhada por um cinema de grande liberdade de imagem, som, elipses, etc. Esse desejo em mergulhar junto com a personagem num mundo em que tudo é uma descoberta, e como o filme trata a descoberta da sexualidade feminina sem tantos moralismos são os dois pontos-chave do filme. Para o cinéfilo-aspirante-a-cineasta, o filme é de grande deleite visual, uma delícia consciente de seus limites e com a possibilidade de ainda assim fazer um filme que fale do cinema (da linguagem) e da vida.

 

A mulher-menina está entre seu passado interiorano e seu futuro progressista. Consegue aprovação numa Universidade chinesa da capital. Mas isso pouco importa para ela: esse projeto de ascensão social que reflete um desejo da sociedade chinesa por uma modernização é visto de uma forma crítica por Lou Ye. Ela se apaixona por um príncipe encantado, e mais: ele também a quer. Tudo parece perfeito, a não ser por ela mesma. O filme entra numa espiral estranha, com voz-off confessional, em que tudo parece ruir por um desejo quase mórbido da própria protagonista para que isso aconteça, como se ela mesma buscasse o seu martírio pessoal. Ou ainda, porque faz parte da essência das coisas a separação e a dor. Ou porque se tem medo de amar de verdade, de se entregar. Então que Lou Ye faz um filme triste, com várias transformações e reviravoltas, e com esse desejo de linguagem que nos deixa tonto. Não é um grande filme, mas fascina, porque mesmo num projeto muito menor, quase banal, Lou Ye acredita muito nos seus personagens e faz um filme que tenha esse desejo por eles e pelo cinema. O que não deixa de ser uma lição não raras vezes emocionante.

 

Foi o último filme do meu Festival do Rio. Na quinta, no último dia, vi três filmes. Ta bom, né?

 

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