Os anjos exterminadores
Os anjos exterminadores
de Jean-Claude Brisseau
Esp Unibanco qui 24hs
**
Mesmo com muito atraso, quero escrever algo de passagem sobre um dos filmes mais esperados por mim neste Festival do Rio: Os Anjos Exterminadores, de Jean-Claude Brissau. Tudo isto por causa do impacto de um meteoro chamado Coisas Secretas, em que sexo, poder, metalinguagem e metafísica se misturavam num espécie de cinema misterioso e sedutor, extremamente ardiloso, apaixonado e contemporâneo. O Espaço Unibanco 1 estava lotado num quinta à meia-noite para ver o candidato à “filme-escândalo” do Festival. O tema já nos apresenta o motivo de tanta curiosidade dos falsos cinéfilos, que são a regra da platéia do Festival do Rio: um cineasta quer fazer um filme sobre fantasias sexuais com mulheres que realmente queiram se entregar física e emocionalmente, extravasando seus preconceitos sobre o sexo. Com isso, da mesma forma que em Coisas Secretas, Brissau desfila seu estilo provocativo e sua verve um tanto irônica: cenas-fetiche, jogos ambíguos sobre a representação e o filme-dentro-do-filme, crítica ao conservadorismo francês, apelo ao irracionalismo místico e o apelo ao sobrenatural. Quando o cineasta personagem do filme escolhe suas atrizes para participar do filme, é claro que pensamos no próprio Brissau escolhendo suas atrizes para o filme que estamos assistindo, e assim sucessivamente numa espiral crescente (quando as personagens se marturbam sob a orientação do cineasta dentro do filme, há numa outra instância o próprio Brissau instruindo suas atrizes a se masturbarem), quando chegamos mesmo a cogitar se Brissau enfrentou algum transtorno com a filmagem, da mesma forma que seu protagonista. Por outro lado, é curioso o tom passivo deste cineasta e como essa passividade é vista de uma forma francamente irônica por Brissau (a primeira leitura do filme é como o cineasta é “otário”: ele perdeu a carreira, perdeu a esposa e ainda não comeu ninguém), ou seja, há um lado perverso e pervertido do trabalho desse cineastra que mistura prazer, poder e perversão. Filme sobre a representação e sobre o papel do ator, o jogo de espelhos e de fissuras de Os Anjos Exterminadores reflete também além do fetichismo o lado voyeur e a escopofilia do olhar: o prazer de ver e de ser visto como um prazer quase perverso, indecente mesmo, profundamente desafiador e que quase merece ser punido pelos deuses. Ainda assim, em meio a todos esses temas fascinantes, não se pode deixar de ver o filme como uma espécie de diluição do impacto de Coisas Secretas, de forma que o filme em alguns momentos se torna quase um pastiche do filme anterior: é só pensarmos na brilhante sequência de abertura de Coisas Secretas e na descosturada cena de Os Anjos Exterminadores, assim como a aparição dos anjos “maus” e “bons” que funcionam como sombras etéreas desse cineasta. Com alguns artifícios de roteiro que não funcionam tanto em relação à organicidade de Coisas Secretas, Os Anjos Exterminadores, se confirma a relevância de Brissau dentro de um cinema contemporâneo que questiona de forma ambígua o estatuto da representação, mostra que Brissau precisa avançar para que seu cinema não fique estacionado.
de Jean-Claude Brisseau
Esp Unibanco qui 24hs
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Mesmo com muito atraso, quero escrever algo de passagem sobre um dos filmes mais esperados por mim neste Festival do Rio: Os Anjos Exterminadores, de Jean-Claude Brissau. Tudo isto por causa do impacto de um meteoro chamado Coisas Secretas, em que sexo, poder, metalinguagem e metafísica se misturavam num espécie de cinema misterioso e sedutor, extremamente ardiloso, apaixonado e contemporâneo. O Espaço Unibanco 1 estava lotado num quinta à meia-noite para ver o candidato à “filme-escândalo” do Festival. O tema já nos apresenta o motivo de tanta curiosidade dos falsos cinéfilos, que são a regra da platéia do Festival do Rio: um cineasta quer fazer um filme sobre fantasias sexuais com mulheres que realmente queiram se entregar física e emocionalmente, extravasando seus preconceitos sobre o sexo. Com isso, da mesma forma que em Coisas Secretas, Brissau desfila seu estilo provocativo e sua verve um tanto irônica: cenas-fetiche, jogos ambíguos sobre a representação e o filme-dentro-do-filme, crítica ao conservadorismo francês, apelo ao irracionalismo místico e o apelo ao sobrenatural. Quando o cineasta personagem do filme escolhe suas atrizes para participar do filme, é claro que pensamos no próprio Brissau escolhendo suas atrizes para o filme que estamos assistindo, e assim sucessivamente numa espiral crescente (quando as personagens se marturbam sob a orientação do cineasta dentro do filme, há numa outra instância o próprio Brissau instruindo suas atrizes a se masturbarem), quando chegamos mesmo a cogitar se Brissau enfrentou algum transtorno com a filmagem, da mesma forma que seu protagonista. Por outro lado, é curioso o tom passivo deste cineasta e como essa passividade é vista de uma forma francamente irônica por Brissau (a primeira leitura do filme é como o cineasta é “otário”: ele perdeu a carreira, perdeu a esposa e ainda não comeu ninguém), ou seja, há um lado perverso e pervertido do trabalho desse cineastra que mistura prazer, poder e perversão. Filme sobre a representação e sobre o papel do ator, o jogo de espelhos e de fissuras de Os Anjos Exterminadores reflete também além do fetichismo o lado voyeur e a escopofilia do olhar: o prazer de ver e de ser visto como um prazer quase perverso, indecente mesmo, profundamente desafiador e que quase merece ser punido pelos deuses. Ainda assim, em meio a todos esses temas fascinantes, não se pode deixar de ver o filme como uma espécie de diluição do impacto de Coisas Secretas, de forma que o filme em alguns momentos se torna quase um pastiche do filme anterior: é só pensarmos na brilhante sequência de abertura de Coisas Secretas e na descosturada cena de Os Anjos Exterminadores, assim como a aparição dos anjos “maus” e “bons” que funcionam como sombras etéreas desse cineasta. Com alguns artifícios de roteiro que não funcionam tanto em relação à organicidade de Coisas Secretas, Os Anjos Exterminadores, se confirma a relevância de Brissau dentro de um cinema contemporâneo que questiona de forma ambígua o estatuto da representação, mostra que Brissau precisa avançar para que seu cinema não fique estacionado.
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