NATAL

Em geral para mim foi positivo o saldo da primeira exibição de NATAL. A sessão dos filmes no Ateliê foi muito ruim, e isso certamente influenciou na recepção do trabalho, mas ainda assim creio que esse trabalho passa uma certa verdade que parece irresistível. Algumas pessoas questionaram os pressupostos éticos do filme, em relação à exposição da intimidade da família, como pessoas grosseiras, ou ainda ridículas ou patéticas. Embora tenha uma ambigüidade, ainda assim acho que NATAL passa uma ternura em relação a essa intimidade, mas – claro – uma ternura que não vem a ser didática ou educativa. Quando ficamos pensando como seria um filme “sobre o natal de uma família” esperamos um trabalho sobre a união e sobre a felicidade quase mística do momento, o que definitivamente não é o caso desse trabalho. Ao final, ainda mais com a bastante severa conclusão, NATAL consegue estimular uma reflexão de temas mais amplos: sobre a necessidade e a dificuldade de estar juntos, sobre a dor da separação, sobre a inevitabilidade da solidão, sobre a utopia da permanência. O filme então passa a ter duas partes: a primeira, entre a ceia e a entrega dos presentes, em tom acelerado e despretensioso; a segunda, com a chegada do avô e o epílogo doloroso, com um discurso poético e cerimonioso. Essa quebra, para mim, está relacionada ao papel da voz off, recurso que sempre tive um grande receio em utiliza-lo, mas que aqui se fez necessário. A parte do avô foi uma experiência, porque fica no limite entre o poético e o piegas. É um recurso de extrema economia, que lembra Entremeio, e os recursos de um cinema espiritual que me agrada. O doloroso epílogo insere toda uma problemática em relação às despretensiosas cenas do início do filme. Só então o filme se assume menos um registro de uma família e mais uma reavaliação da importância da união, da importância da família. NATAL é também, evidentemente, um filme caseiro, isto é, feito para ser um filme mudo, ou ainda um registro como os Super8 da década de 60. É também um filme infantil (o ronco, o diálogo com o avô): gosto muito do fato de NATAL poder ser visto como um filme infantil. Se a imagem é acelerada, o som não o é: as interações entre som e imagem fazem de NATAL um trabalho criativo de linguagem: se víssemos só as imagens não teríamos o filme, ou seja, todo o filme se resolve no som. Os mesmos temas de sempre também foram vistos de um novo prisma de linguagem: o aceleramento, a ausência das câmeras paradas, o zoom e o foco, a presença das pessoas, a construção entre o documentário e a ficção. Mas sem dúvida a parte final do filme (avô + epílogo) transforma NATAL em um trabalho pessoal em continuidade com os temas de meus outros vídeos, acrescentando algumas coisas novas, o que por si só já justificaria a coerência da realização desse trabalho. Por fim, creio que NATAL é um filme oriental (daí minha ironia em dizer que ele não é um “produto brasileiro”, brincando com a coisa do CPB): os dois planos do Ryukai com um pano de fundo de musiquinha de natal com batucada (que me agradam muitíssimo) não deixam dúvidas de que se trata de um trabalho muito mais de continuidade do que de ruptura, até porque, ao final, a melancolia, a reflexão, a ambigüidade, o desacerto acabam predominando sobre qualquer possibilidade de NATAL ser visto como um filme trash ou como mera exposição exploratória e oportunista de uma família. Que venha o próximo, que provavelmente será um “filme abstrato”. Aguardemos!!!

Comentários

Anônimo disse…
Olá,
Como eu falei com você hoje, esse filme foi uma surpresa muito boa!
Estou louca para ver os próximos!
Beijo
Lu
p.s. postei para provar que leio...
Anônimo disse…
ikeda,
estou muito feliz com a tua filmografia cada vez mais numerosa e cada vez mais instigante. fico impressionado com a tua capacidade de ver certas coisas, e esse teu último filme me fez lembrar disso. estou sempre muito ansioso para ver o teu próximo filme e temos que marcar um dia pra eu pegar o Em Casa.
abs ricardo

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