Conforme o tempo vai passando, a gente tem condições de perceber um pouco mais o impacto de TROUBLE EVERY DAY, um filme que fica na cabeça da gente. Decerto que o filme não tem a força arquitetônica de UM FILME FALADO, nem a filosofia do desalento de NINGUÉM PODE SABER, mas o que torna o filme da Claire Denis uma experiência marcante é como ela fez questão de fazer um filme adulto, de pôr em cheque a natureza íntima do ser humano, a grande e terrível aventura de viver diante de si mesmo. Fez isso, também, através de um cinema de linguagem traiçoeiro, ardiloso, difícil na apreensão de suas sutilezas: através de um falso filme B, de um falso filme de terror, de um falso cinema de gênero. Mas por trás das superfícies e das falsas pistas, pulsa muito claramente, em todos os seus planos, um cinema que se prende ao essencial: sobre a “dor e a delícia” de viver, sobre a natureza do desejo. Sobre como o desejo é necessário, mas como é ao mesmo tempo doentio, sórdido, auto-destrutivo. Sobre como o desejo causa enorme prazer e inevitável dor por onde passa, sobre os rastros do desejo, que não conseguem ser apagados. E como se pode viver sem o desejo? E, ainda, o desejo pode ser domado? Até que ponto? O filme, ainda, reflete a necessidade do afeto, e tem um final muito doloroso que evidencia todo o projeto de Claire Denis: de dar um profundo abraço afetuoso em seu personagem doentio, mostruoso. Na possibilidade doentia de o Homem querer destruir a coisa que ele mais ama, simplesmente porque ele não consegue dominar o seu desejo, o seu instinto, a sua natureza.

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