Casa Vazia

Casa Vazia
De Kim Ki-Duk
Estação Paissandu, seg 15 agosto 21hs
**½

Vendo este Casa Vazia, lembrei de uma frase do Corações e Mentes: “o Vietnã tem mais de mil anos de civilização. E os Estados Unidos, quantos anos têm?” O cinema oriental realmente bate muito forte neste espectador que vos escreve. E mesmo com suas várias limitações, este Casa Vazia é um filme que bateu muito forte em mim, porque é o cinema oriental em sua autêntica expressão.

* * *

O personagem principal de Casa Vazia não fala. Ele invade casas sem roubar nada, apenas para ficar um ou dois dias, consertando objetos, lavando roupas e ouvindo a secretária eletrônica. Numa mansão, encontra uma mulher que apanha do marido, e os dois acabam formando uma espécie de casal solitário e distante. E o filme segue, sem nenhuma palavra de ambos. O cinema oriental está todo lá: na dificuldade de expressar os sentimentos, no sentimento de solidão, no significado de um lar e de uma família, na miséria da condição humana, na dualidade dos personagens, na transcendência da rotina.

A (vazia) peregrinação desse personagem principal é em busca de um lar. Seu lar é móvel, e em cada lugar, vivendo uma espécie de vida de ninguém, espaço limítrofe entre sua própria vida e a vida desconhecida dos moradores daquela casa, esse rapaz busca uma certa identidade transidia. Desse modo, Casa Vazia é o avesso de Ninguém Pode Saber: enquanto no filme de Kore-Eda as crianças vivem trancafiadas dentro de casa para manter um lar e uma família unida, no filme de Ki-Duk, a idéia de família desaparece, e reina a inevitabilidade da solidão e do silêncio. O lar passa a ser fugidio, e, de casa em casa, busca-se um lar, busca-se uma vida qualquer. Mas mesmo nas circunstâncias mais adversas (em especial a prisão), o personagem sente-se em casa, tem um lar, porque a sociedade pode lhe tirar tudo, menos uma coisa: sua liberdade.

De uma certa forma, Casa Vazia, como os demais filmes de Ki-Duk, fala sobre o paraíso perdido, ou ainda, como a sociedade ou as instituições apreendem a liberdade de ser do indivíduo. O que é comovente neste Casa Vazia é o minimalismo de Ki-Duk. Seus dois filmes anteriores – A Ilha e Primavera, Verão, Outono... – mostravam uma natureza exuberante em expansão. Neste Casa Vazia, reinam, desta vez, os interiores: é um filme de contenção. Um ponto em comum com seus filmes anteriores, no entanto, é como a violência acaba quebrando a harmonia de um estado de coisas. Os personagens são violentados, agredidos, quando vivem em sociedade, quando inevitavelmente entram em conflito.

Por isso, algumas vezes, Casa Vazia soa como um filme sobre um processo de resistência. Isso fica muito claro na cena da prisão em que, enquanto o guarda violenta o protagonista, ele encontra formas de resistir, de transcender à violência daquele mundo, até se tornar semi-invisível, imaterial, como a tradição das artes marciais japonesas.

Num falso final feliz, Ki-Duk opta pela ilusão do cinema, e desiste da violência inevitável do confronto, ou do ato de vingança. A ilusão, a morte, a loucura: os temas de sempre do cinema oriental. A miséria da condição humana. O retorno ao lar. A impossibilidade da imanência. A solução de Ki-Duk é sair do mundo das coisas (o peso zero): a transcendência pela via da não-agressão. O que pode parecer uma indiferença ou mesmo alienação na verdade é princípio de vida, sabedoria, filosofia. O cinema de Ki-Duk pode parecer muitas vezes ingênuo, estranho para os olhos orientais, mas sua beleza está na simplicidade, e na melancolia com que Ki-Duk acompanha a peregrinação de seus pobres personagens em sua passagem terrena: cheia de interstícios, de incompreensões e de um inexplicável sentimento de ausência. Doloroso, tenro e poético, este Casa Vazia, no belíssimo título em português, mostra a difícil tarefa do ser humano em existir e a ingrata tarefa do cinema em expressar os sentimentos daqueles que não o sabem fazê-lo. Um silêncio do eu.

Comentários

Anônimo disse…
Rapaz... eu gosto de Antonioni, Bergman, Pasolini...
gosto do Último Tango em Paris, gosto de Táxi Driver...
gosto disso, gosto daquilo...

Tenho CERTEZA ABSOLUTA que quero ver teus filmes.
Eu sou de Santos...

E tentei ver o "Auto-retrato...", mas no meu computador deu erro e não abriu o arquivo... o filme não passou.. =( Fiquei só na vontade.

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Olha, eu vi o Primavera, Verão..., e gostei do filme... nào entendo o que todo mundo fala mal e atira pedras no Kim Ki-Duk, que ele é didático ou isso e aquilo. Mas ao mesmo tempo se satisfazem mais com o Batman Begins (não posso falar nada pq não vi rs)... enfim, seu texto é muito bom, mostra q vc sabe como ver cinema... e faz com que eu não entenda então, o porquê de meras ** 1/2...
Cinecasulófilo disse…
oi Rodrigo, me passa teu email...

eu gosto mais do primeiro filme do ki-duk, o A ILHA, que passou no festival do rio. esse é MUITO BOM MESMO. o primavera, verão, cheguei a postar algo aqui no blog, achei bom, mas tem uns cacoetes de cinema de arte que me cansam, e umas passagens meio de karate kid (esop sobre cliches da filosofia oriental), mas em geral gostei do filme. **1/2 pra mim é bem bom(o máximo é ****), fica entre o bom e o ótimo, entao é bom. sou meio exigente, pode ver nas notas, acho que tem que ser assim mesmo.
Anônimo disse…
rodpintoni@yahoo.com.br (e-mail)

diguinho17@hotmail.com (msn)

Não sei qual você prefere para mandar arquivos, então aí estão as opções.

E, sim, já percebi que você é exigente! rss...

Abraços... té mais.
Johannah disse…
Aff! Tu parecia em estado de graça qd escreveu!
Acho o silencio nos filmes orientais fantástico. Tu tem que ir tateando, deduzindo, é catapultado p/ dentro da história.
Vi "Fôlego" (gostaria de um dia ler um comentário seu sobre) e o arrebatamento foi igual.

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