(IFFR 2021): DIÁRIO FORTALEZA-ROTERDÃ - PARTE 5
COBERTURA DO FESTIVAL DE ROTERDÃ (IFFR 2021
JUNHO)
DIÁRIO DE
FORTALEZA-ROTERDÃ
PARTE 5 – O FILME-ENSAIO
THE PHILOSOPHY OF HORROR - A SYMPHONY OF FILM THEORY,
de Péter Lichter e Bori Máté
BOTTLED SONGS 1-4, de Chloé Galibert-Laîné e Kevin B.
Lee
Fico
tentado a analisar quase todos os filmes que vi nesse IFFR 2021 sob essa
perspectiva: a do dispositivo, ou de seu problema-de-pesquisa. Outro exemplo é The Philosophy Of Horror - A Symphony Of
Film Theory, de Péter Lichter e Bori Máté, exibido na seção Regained. O filme tem como ponto de
partida uma abordagem original das supostas relações entre cinema e literatura.
Ou ainda, de um campo bem específico chamado audiovisual essays (filmes-ensaio), que se baseiam em peças de
reflexão sobre o cinema (como críticas ou ensaios) utilizando a linguagem
audiovisual. O filme de Lichter e Maté poderia se assemelhar com um audiovisual
essay, visto que se trata de uma reflexão sobre o cinema de horror, com base no
clássico livro de Noël Carroll – A
filosofia do horror. No entanto, o filme não procura ilustrar os conceitos
apresentados pelo autor por meio de trechos de filmes, como se fosse uma aula
bem-comportada. Mas parte da seguinte premissa: como o cinema de horror deve
ser melhor sentido (uma atmosfera) do que explicado em termos racionais, o
filme procura transpor em imagens/sons os princípios teóricos apresentados por
Carroll. Assim, o filme é basicamente uma manipulação livre de trechos de
sobras de alguns filmes de horror, livremente manuseados com tinta sobreposta,
como se fosse (mal comparando) os filmes de Brakhage. Ou seja, mais que
informações compostas pelas palavras do livro, o filme busca uma atmosfera
sensorial lúgubre que envolva o espectador. Essa é portanto a originalidade do
dispositivo que justifica sua seleção para o Festival. A fruição do filme é
interessante, mas se esgota com um certo tempo. Ainda, os realizadores optaram
por dividir o filme em seções, numeradas e intituladas como se fossem
capítulos, divididas por cartelas que apresentam uma longa citação textual de
um trecho do livro de Carroll. Essa divisão didática, se de um lado traz alguma
orientação para o espectador, por outro quebra totalmente a fluidez da imersão
sensorial proposta pelo dispositivo, servindo meramente como ancoragem.
Outro
caso mais radical é o de Bottled Songs 1-4,
de Chloé Galibert-Laîné e Kevin B. Lee. Esse filme é um ensaio audiovisual, mas
de uma forma mais ampla e complexa, visto que não se trata de um filme sobre o
cinema, mas uma reflexão sobre a produção e circulação de imagens na sociedade
contemporânea. Poderíamos esperar algo na linha do cinema do Farocki, mas o que
é curioso nesse filme é que se trata de cartas trocadas por email entre os dois
realizadores. Ou seja, é como se o filme fosse uma conversa informal entre dois
amigos que trocam correspondências conversando sobre suas recentes pesquisas
sobre o papel e a importância do audiovisual na sociedade contemporânea. Assim,
o filme se desenvolve como se fosse a apresentação de um processo de pesquisa. O
filme não tem um estatuto formal como se fosse um paper acadêmico, mas um certo
tom coloquial se expressa pelo formato artesanal da carta, e pela ênfase no
processo (ou seja, como se chegou a essas imagens e o que elas estimularam a
prosseguir pesquisando). Ainda, o filme possui uma reflexão muito pertinente e
aguda sobre a produção e circulação de imagens – algo (mal comparando) na linha
de um Carta a Jane, de Godard e
Gorin, na fase do Grupo Dziga Vertov. No entanto, em Bottled Songs paira um tom íntimo, e uma ênfase da
intertextualidade, ou no processo. À medida que descreve seu processo de
pesquisa, o filme abre várias janelas, como se fosse a tela de um computador,
em que o autor da carta (o narrador) apresenta os passos de sua pesquisa, indo
para o google, ou para o youtube, etc. As duas primeiras cartas são as mais
impressionantes. A primeira mostra como um vídeo com prisioneiros de guerra capturados
no Oriente Médio sendo humilhados na verdade revela, por trás de suas
estratégias de aparente improviso, como a imagem assume papel fundamental na
rede de disseminação das ações terroristas. A segunda mostra como a rede
terrorista se envolve na produção de filmes para divulgar suas ações com imenso
cuidado, inspirando-se em filmes previamente realizados como modelos
imagéticos, seja de grandes filmes de ação de espetáculo da indústria
hollywoodiana seja de filmes de inspiração nazista, como Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl. Dessa forma, Bottled Songs apresenta, com argumentos
sólidos, um olhar maduro sobre o papel da imagem na sociedade contemporânea,
especialmente como estratégia da rede terrorista para divulgar suas ações em
todo o mundo. A originalidade do filme está na sua habilidade em conjugar
elementos da linguagem contemporânea, criando um filme-ensaio com base numa
linguagem computacional, todo realizado a partir de uma tela do computador,
muito habilmente montada, com composições dinâmicas.
IFFR 2021 #JUNHO
DIÁRIO DE FORTALEZA-ROTERDÃ
PARTE 4 – O CINEMA-DE-PROBLEMA-DE-PESQUISA
PARTE 6 – O DOCUMENTÁRIO E SUAS TRADIÇÕES
PARTE 7 – O DOCUMENTÁRIO E SUAS TRANSIÇÕES
CRÍTICAS DE FILMES
CAPITU E O CAPÍTULO, de Julio Bressane (BRA)
A FELICIDADE DAS COISAS, de Thaís Fujinaga (BRA)
A MAN AND ACAMERA, de Guigo Hendrixx (HOL)
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