a crítica como um orgasmo múltiplo

Tenho preguiça de desenvolver as coisas. Ou melhor, não é preguiça, é que acho reacionário. Por isso, acredito que o melhor livro sobre crítica/teoria do cinema é o Notas sobre o cinematógrafo, do Bresson. Acho que o papel da crítica – se ele existe – não é “completar o filme para o espectador” (para = em lugar de), e sim estimular o espectador a encontrar o seu próprio filme, ou ainda, que a crítica seja “um empurrãozinho” para que o espectador possa encontrar a si mesmo a partir do filme. Isso só é possível se o crítico não explicar as coisas, mas sugerir, deixar no ar, falar telepaticamente. Há algo mágico que o espectador tem que querer descobrir. A crítica estimula que o espectador faça esse gesto em direção à escuridão do filme. Quando ele (o espectador) descobre por si mesmo, algo acontece. Uma combustão, uma faísca. Uma epifania. Esse é o papel da crítica. Não é o de “jogar luz” sobre o filme, e sim “jogar o leitor nas trevas”. Empurrar o espectador no abismo que é o filme (sem páraquedas) mas não só empurrar ele pra baixo, mas dar um empurrãozinho para que o espectador saiba lidar com isso, sem “tirá-lo do buraco”. A função do crítico é lançar o espectador no desespero e dizer pra ele “não tem problema voar sem páraquedas, basta se acostumar com isso, e deixar o vento te levar.” Mas o espectador tem que querer isso, tem que querer passar por essa experiência. É uma aposta. O crítico e o espectador são cúmplices de um jogo (um pacto) que não se sabe muito bem onde se vai chegar. A crítica é portanto um mistério, e que serve não para “que se entenda o filme melhor”, mas simplesmente para lançar o espectador nas trevas e fazer com que ele se acostume a enxergar no escuro. O papel do crítico é misterioso. Ele é mais um alquimista, um mago, do que um engenheiro. Às vezes, esse “empurrãozinho” não encaixa, não leva a lugar algum. Mas quando ele acontece na hora e no lugar certo, o espectador alcança a tal epifania. De uma maneira misteriosa, o crítico sente isso. Pode parecer que a crítica não reverbera, porque o crítico não tem uma resposta explícita, mas pode estar certo de que, quando acontece, essa energia flui, ela emana das formas mais improváveis. Ela se dissipa pelo mundo, mas é transformadora. É raro acontecer, mas quando acontece, é uma espécie de orgasmo múltiplo. Esse é o papel da crítica!

Comentários

George Luis disse…
Adorei o texto! É muito o que penso sobre críticas sobre arte.
Parabéns. Apesar de poucos comentários, eu estou sempre lendo teu blog.
Sucesso.
Anônimo disse…
Ótimo texto.

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