Quando leio sobre todas essas discussões, em geral anacrônicas, sobre o papel da polícia seja na ocupação “pacífica” da Rocinha ou “antipacífica” da USP, fico me lembrando de um filme como Coronel Blimp. Curiosamente, esse filme inglês de 1943 me parece extremamente recente e atual para se pensar o Brasil de hoje. Trata-se de um filme um tanto esquecido da dupla Emeric Pressburger e Michael Powell, um filme muito curioso. Um grande produção extremamente bem realizada, em technicolor, que entrecruza uma certa questão moral de um alto comandante inglês com um entrecho amoroso, como típica estratégia do cinema clássico. Mas por trás dessas firulas romanescas, há um filme extremamente crítico sobre a Europa da época, realizado antes do fim da segunda guerra. A questão ética de fundo do filme se aproxima com a de A Grande Ilusão: a possibilidade de um coronel inglês ser amigo de um oficial alemão, ainda que estejam em campos diferentes na guerra. O filme de Powell e Pressburger se pergunta se esse humanismo ainda é possível no jogo político da Segunda Guerra, examinando uma mudança de perspectivas da Primeira para a Segunda Guerra. Ele diz que prefere perder a Guerra mas lutando de uma maneira ética do que ganhá-la com métodos escusos. Ou seja, é claro que, ao pensar isso, o coronel vai ter que se aposentar mais cedo e é afastado do alto comando na Segunda Guerra. Apesar de todos os seus louros e conquistas nas antigas batalhas (sua experiência), ele não está mais preparado para “as novas estratégias militares”. O Coronel inglês, que defende valores de uma aristocracia militar, está nitidamente morrendo, sendo substituído por uma nova geração que tem outros valores. Sai a elegância da belle époque, e entra o pragmatismo do século XX. Um toque viscontiano (se isso é possível, pois é em 43, antes dos filmes do Visconti...), mas acontece que o filme de Powell & Pressburger analisa essa transformação com um certo humor, antes de um decadentismo. Os valores éticos de um antigo mundo soçobram, e o coronel inglês acaba sozinho porque, entre outras coisas, seu código de honra o impediu de verdadeiramente amar. Só que aquilo que ele verdadeiramente amou (esse “código de honra”) o “traiu”, ou se modificou, e ele não é mais nada, além de uma caricatura burlesca, numa época de uma intensa velocidade de mutação das coisas. É um grande filme.
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