Comentou-se que algumas pessoas riram durante a exibição de EUROPA, de Leonardo Mouramateus, no Festival NOIA. Tentou-se problematizar a relação ética do realizador com as pessoas que ele retratava no curta. Acredito que parte do problema tem a ver com a representação das periferias no audiovisual brasileiro. A periferia é quase sempre vista apenas por uma entre duas opções. Ou um discurso da miséria, seja pela vitimização, como pobrezinhos ou coitadinhos que lidam com situações adversas, seja pela bandidagem, através da espetacularização da miséria. Ou um discurso da caricatura, como engraçadinhos ou pitorescos, que tomam cerveja na laje ouvindo música brega, ou pelo jeito “divertido” de falar, andar ou se vestir, como no extremo dos programas de humor como o quadro do metrô num zorra total. Quando as pessoas veem um filme sobre a periferia que não se enquadra num drama sobre a miséria, já esperam a abordagem caricata. As pessoas simplesmente “riem do outro”, e nunca podem esperar que essas pessoas sejam como elas mesmas, daí o tom reacionário desse tipo de filme. O olhar que EUROPA oferece é completamente avesso a esses estereótipos e caricaturas das representações da periferia. O realizador é curioso e interessado pelas pessoas e pelos espaços. Vê o bairro da Maraponga em sua potência afetiva, mas também é claro que não é um lugar perfeito ou bacana. EUROPA não faz a apologia da periferia como retiro bucólico, pré-industrial ou “de ar puro”. É um lugar pobre, com dificuldades, ou seja, o espectador não pode se sentir à vontade ali. É essa tensão entre o que faz de um lugar um lar (uma potência afetiva) mas ao mesmo tempo um desencanto (uma falta, uma carência) que torna a posição de Mouramateus uma posição ética e que o faz se colocar frontalmente, de uma forma íntima, nesse filme. O próprio título já nos fala disso (uma cartografia afetiva desenhada pelo autor através de um lugar cujas contradições são visíveis). Agora, EUROPA não é o filme que muitos gostariam de ver sobre as periferias, porque sua adesão ao cinema contemporâneo se dá pelas bordas, é tênue, fronteiriça, de adesão nunca meramente óbvia. Mas é exatamente isso que multiplica suas potências, como no incrível plano final, em que esse desejo explode dentro de quadro.

Comentários

Anônimo disse…
sobre esse plano final eu escutei algumas pessoas falando que era reacionário porque ele não queria fazer parte daquele lugar, era uma forma de se destacar daquele lugar. Eu isso bastante absurdo. pra começar eu acho muito natural um jovem não se conformar com o seu lugar, se rebelar contra o próprio berço, seja maraponga, montmartre ou leblon. e em terceiro lugar eu achei extremamente calcado no seu cotindiano e na imaginação que é possível dentro desse cotidiano. o cenário diz muito. e de qualquer maneira acho um dos filmes mais instigantes que eu vi ultimamente com enquadramentos que fogem absolutamente do esperado e se reconfiguram a cada momento. muito bem filmado.
um abraçø
ricardo pretti
D. disse…
concordo plenamente, ikeda e pretti. acho que dentre as diferentes representações da periferia o europa causa estranhamento pois problematiza a ética das imagens do povo e isso somente poderia partir de alguém que, como todos os demais filmados, nasceu e vive até hoje na maraponga. o filme é uma autorrepresentação e nesse caso isso faz toda diferença. vejo o plano final como uma reconciliação: o bairro como espaço de alteridade, em que vários possíveis tomam corpo. acho que os diversos julgamentos feitos sobre o filme revelam, pelo contrário, visões preconceituosas, relações mal resolvidas com a cidade que são projetadas nas intenções do diretor. pra mim é um filmaço.
abraço!
diego hoefel

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