Ryuichi Hiroki
O japonês Ryuichi Hiroki é considerado um dos mais criativos diretores do cinema japonês. No entanto, seus filmes são inéditos no Brasil, inclusive no circuito dos festivais. Hiroki começou sua carreira trabalhando como assistente de direção na indústria pornográfica japonesa, nos chamados “pinku eiga”. Chegou à direção, e conseguiu ir além desse gueto restrito para fazer filmes lançados comercialmente no Japão, ainda que realizados em digital. Ganhou mais possibilidades ao receber uma bolsa do Instituto Sundance no Japão, e a partir da repercussão de Vibrator, sua carreira decolou.
Vibrator (2003) foi o primeiro filme a destacar o nome do Hiroki, pela participação em diversos festivais internacionais. Bastante barato, filmado em DV, Vibrator acompanha alguns dias na vida de uma mulher de cerca de trinta anos, representada por brilhantismo por Shinobu Terashima, que encontra um caminhoneiro numa loja de conveniência em um posto de gasolina e resolve acompanhá-lo em sua viagem pela estrada. A forma franca e despojada como se fala de sexo, especialmente para uma personagem feminina no Japão, tem como origem o trabalho anterior de Hiroki nos “pinku eiga”, e o trabalho com o digital permite uma maior intimidade entre os atores, valorizada por planos longos que são a marca de Hiroki. Mas o que marca Vibrator é a forma franca como Hiroki mostra a desilusão de personagens à margem de um sistema. Terashima tem grandes crises de depressão, revelando-se uma mulher solitária, instável e até mesmo desequilibrada. Sua carência é preenchida pelo caminhoneiro xxx, que a princípio parece um homem centrado, mas aos poucos no filme são reveladas suas carências afetivas. Grande parte do filme se passa na estrada, em que o casal de protagonistas conversam na boléia do caminhão. Essas conversas são entrecruzadas com planos longos da estrada, transformando Vibrator numa espécie de road movie. O excesso de diálogos dificulta o andamento da narrativa, tornando Vibrator uma experiência não tão bem sucedida quanto seus filmes posteriores. No entanto, o estilo de Hiroki já pode ser visto à perfeição: o modo franco de abordar seus personagens desequilibrados, a composição de um cinema feminino, que investiga suas carências afetivas e na relação com o sexo, os planos longos baseados em diálogos, a conclusão pessimista.
A repercussão de Vibrator permitiu que Hiroki fizesse projetos com uma melhor estrutura de produção. Yawarakai Seikatsu (It´s only talk), lançado em 2005, é seu filme mais ambicioso até então. Ele prossegue a linha apresentada em Vibrator, mas aprofunda e desenvolve melhor alguns de seus pressupostos. Novamente, Shinobu Terashima representa com grande sensibilidade uma mulher na casa dos trinta anos (Yuko), que se envolve com alguns homens e tenta suprir suas carências afetivas e revela seu desequilíbrio emocional. A diferença aqui é que o projeto é menos restrito do que Vibrator, que tinha dois personagens e praticamente uma locação (a boléia do caminhão). Yawarakai Seikatsu faz a personagem interagir não somente em interiores (na sua casa) mas também na cidade de Tóquio, que tem uma presença discreta mas marcante ao longo do filme. O modo franco de falar sobre sexo já vem na primeira sequência do filme, onde, Yuko marca um encontro pela internet com um homem de cinquenta anos (K). Ele a masturba no interior de um cinema. Ao longo do filme, Yuko se envolve com alguns outros homens: além de reencontrar K, ela se encontra com um jovem da máfia japonesa (Noboru), um antigo amigo de colégio que quer se tornar político (Honma) e um primo de Fukuoka que abandonou a esposa (Shioichi). No entanto, Yoko acaba não fazendo sexo com nenhum deles, pois cada um acaba revelando suas próprias dificuldades sexuais ou carências afetivas. Com o desenrolar do filme, Yuko acaba tendo uma crise depressiva aguda e é apoiada por Shioichi. A crise depressiva remete a uma cena em Vibrator, quando Terashima passa mal e o caminhoneiro precisa parar em um hotel para ajudá-la. Hiroki embala seu drama feminino com delicadeza e sensibilidade, mas sem buscar um paternalismo para a personagem ou uma simples lição de moral da solidão do mundo contemporâneo. O maior número de personagens permite mais possibilidades para o texto de Hiroki, e o maior número de locações revela a habilidade de mise en scene do diretor. Além do rigor da composição de quadro especialmente nos interiores que parece ser a marca do cinema japonês, It´s only talk surpreende nas filmagens em externas, pela opção de Hiroki por planos longos, algumas vezes acompanhados por gruas ou carrinhos, que acompanham a caminhada dos seus personagens. No entanto, não são planos com “tempos mortos” ou espaços vazios (por exemplo, não existem os “planos de transição” à Ozu como nos filmes de Ishikawa), mas são sempre acompanhando personagens que dialogam entre si. Dessa forma, ou há movimento de câmera ou existe ação dentro do plano (movimento dos personagens) que torna o plano longo mais “acessível para o espectador comum”. Exemplo típico é a primeira conversa de Yoko com Noboru. O longo plano de quase quatro minutos começa com o casal conversando em uma passarela. Eles descem a passarela, num determinado momento páram diante de uma grade, e depois Yoko chama a atenção para um parque, e eles correm para ver de perto uma espécie de dragão feito com pneus. Uma sequência presa aos diálogos ganha outra proporção graças à fluidez da câmera e à interação com o espaço físico que enriquece a dramaturgia. Outra sequência curiosa acontece num karaoke, em que Yoko e Shoichi, numa sala reservada, cantam duas músicas. Em câmera parada, num plano geral que dura cinco minutos, Hiroki acompanha o karaoke, mas a dinâmica da música, e os movimentos internos no plano dos personagens tornam a fruição do plano “menos dura” do que sua bastante longa duração. Dessa forma, seja pela sofisticação da mise en scene seja pelo aprofundamento de algumas premissas dramáticas, It´s only talk é um desenvolvimento da filmografia de Ryuichi Hiroki ainda que num caminho de continuidade em relação a Vibrator.
Outro filme com boa exibição em festivais internacionais é L´Amant, de 2004. Este foge um pouco das caracterísitcas dos outros dois filmes, por estar centrado em uma personagen feminina de 17 anos e por possuir um conteúdo erótico mais ousado, um teor fetichista e um certo contorno não-realista. Hanako, representada por Nozomi Ando, é uma menina de 17 anos que assina um contrato com três homens: ela passa a ser, por um ano, uma espécie de escrava sexual, tendo que satisfazer os seus caprichos e fetiches de seus “donos”, até que ela complete 18 anos. Não fica muito claro a troco de quê: a princípio, pensamos que se trata apenas de dinheiro, mas ao longo do filme a relação de Hanako com os três homens vai se tornando mais complexa, à medida que esses homens também evidenciam seus fetiches e suas carências afetivas para Hanako. Plasticamente, é sem dúvida o filme mais bem-sucedido de Hiroki: não tão preso aos diálogos, Hiroki pôde desenvolver de forma mais rica sua cinematografia em relação ao enquadramento, ritmo e especialmente ao som. Os silêncios, mais presentes na casa em que os quatro personagens estão imersos, são preenchidos com sons que são pura dramaturgia, ora irônicos (sinos, passarinhos) ora realistas. Outro exemplo é quando Hanako traz para essa casa uma cigarra, que ganhou de presente de uma amiga da escola, e é presa numa gaiola, mas cujo som natural preenche de forma presente todo o ambiente. Um tom de perversão sofisticado domina o filme, lembrando (a grosso modo) o cinema de Fassbinder (com o rigor do enquadramento e a precisão marcada do movimento dos personagens dentro do quadro) ou mesmo da literatura de Sade. Mas a carga fetichista e erótica provocativa aos poucos vai cedendo espaço para o drama sobre uma carência afetiva, que é a marca do cinema de Hiroki. Hanako assume sua condição de forma muda, e essa é a principal diferença em relação às personagens desequilibradas de Shinobu Terashima. Trocando sua protagonista de uma mulher de trinta e poucos anos para uma adolescente de dezessete, Hiroki dialoga com um conjunto de filmes do cinema japonês que mostra a descoberta da sexualidade e a investigação delicada do universo dos jovens, como os de Shiota e Iwai, entre outros.
Vibrator (2003) foi o primeiro filme a destacar o nome do Hiroki, pela participação em diversos festivais internacionais. Bastante barato, filmado em DV, Vibrator acompanha alguns dias na vida de uma mulher de cerca de trinta anos, representada por brilhantismo por Shinobu Terashima, que encontra um caminhoneiro numa loja de conveniência em um posto de gasolina e resolve acompanhá-lo em sua viagem pela estrada. A forma franca e despojada como se fala de sexo, especialmente para uma personagem feminina no Japão, tem como origem o trabalho anterior de Hiroki nos “pinku eiga”, e o trabalho com o digital permite uma maior intimidade entre os atores, valorizada por planos longos que são a marca de Hiroki. Mas o que marca Vibrator é a forma franca como Hiroki mostra a desilusão de personagens à margem de um sistema. Terashima tem grandes crises de depressão, revelando-se uma mulher solitária, instável e até mesmo desequilibrada. Sua carência é preenchida pelo caminhoneiro xxx, que a princípio parece um homem centrado, mas aos poucos no filme são reveladas suas carências afetivas. Grande parte do filme se passa na estrada, em que o casal de protagonistas conversam na boléia do caminhão. Essas conversas são entrecruzadas com planos longos da estrada, transformando Vibrator numa espécie de road movie. O excesso de diálogos dificulta o andamento da narrativa, tornando Vibrator uma experiência não tão bem sucedida quanto seus filmes posteriores. No entanto, o estilo de Hiroki já pode ser visto à perfeição: o modo franco de abordar seus personagens desequilibrados, a composição de um cinema feminino, que investiga suas carências afetivas e na relação com o sexo, os planos longos baseados em diálogos, a conclusão pessimista.
A repercussão de Vibrator permitiu que Hiroki fizesse projetos com uma melhor estrutura de produção. Yawarakai Seikatsu (It´s only talk), lançado em 2005, é seu filme mais ambicioso até então. Ele prossegue a linha apresentada em Vibrator, mas aprofunda e desenvolve melhor alguns de seus pressupostos. Novamente, Shinobu Terashima representa com grande sensibilidade uma mulher na casa dos trinta anos (Yuko), que se envolve com alguns homens e tenta suprir suas carências afetivas e revela seu desequilíbrio emocional. A diferença aqui é que o projeto é menos restrito do que Vibrator, que tinha dois personagens e praticamente uma locação (a boléia do caminhão). Yawarakai Seikatsu faz a personagem interagir não somente em interiores (na sua casa) mas também na cidade de Tóquio, que tem uma presença discreta mas marcante ao longo do filme. O modo franco de falar sobre sexo já vem na primeira sequência do filme, onde, Yuko marca um encontro pela internet com um homem de cinquenta anos (K). Ele a masturba no interior de um cinema. Ao longo do filme, Yuko se envolve com alguns outros homens: além de reencontrar K, ela se encontra com um jovem da máfia japonesa (Noboru), um antigo amigo de colégio que quer se tornar político (Honma) e um primo de Fukuoka que abandonou a esposa (Shioichi). No entanto, Yoko acaba não fazendo sexo com nenhum deles, pois cada um acaba revelando suas próprias dificuldades sexuais ou carências afetivas. Com o desenrolar do filme, Yuko acaba tendo uma crise depressiva aguda e é apoiada por Shioichi. A crise depressiva remete a uma cena em Vibrator, quando Terashima passa mal e o caminhoneiro precisa parar em um hotel para ajudá-la. Hiroki embala seu drama feminino com delicadeza e sensibilidade, mas sem buscar um paternalismo para a personagem ou uma simples lição de moral da solidão do mundo contemporâneo. O maior número de personagens permite mais possibilidades para o texto de Hiroki, e o maior número de locações revela a habilidade de mise en scene do diretor. Além do rigor da composição de quadro especialmente nos interiores que parece ser a marca do cinema japonês, It´s only talk surpreende nas filmagens em externas, pela opção de Hiroki por planos longos, algumas vezes acompanhados por gruas ou carrinhos, que acompanham a caminhada dos seus personagens. No entanto, não são planos com “tempos mortos” ou espaços vazios (por exemplo, não existem os “planos de transição” à Ozu como nos filmes de Ishikawa), mas são sempre acompanhando personagens que dialogam entre si. Dessa forma, ou há movimento de câmera ou existe ação dentro do plano (movimento dos personagens) que torna o plano longo mais “acessível para o espectador comum”. Exemplo típico é a primeira conversa de Yoko com Noboru. O longo plano de quase quatro minutos começa com o casal conversando em uma passarela. Eles descem a passarela, num determinado momento páram diante de uma grade, e depois Yoko chama a atenção para um parque, e eles correm para ver de perto uma espécie de dragão feito com pneus. Uma sequência presa aos diálogos ganha outra proporção graças à fluidez da câmera e à interação com o espaço físico que enriquece a dramaturgia. Outra sequência curiosa acontece num karaoke, em que Yoko e Shoichi, numa sala reservada, cantam duas músicas. Em câmera parada, num plano geral que dura cinco minutos, Hiroki acompanha o karaoke, mas a dinâmica da música, e os movimentos internos no plano dos personagens tornam a fruição do plano “menos dura” do que sua bastante longa duração. Dessa forma, seja pela sofisticação da mise en scene seja pelo aprofundamento de algumas premissas dramáticas, It´s only talk é um desenvolvimento da filmografia de Ryuichi Hiroki ainda que num caminho de continuidade em relação a Vibrator.
Outro filme com boa exibição em festivais internacionais é L´Amant, de 2004. Este foge um pouco das caracterísitcas dos outros dois filmes, por estar centrado em uma personagen feminina de 17 anos e por possuir um conteúdo erótico mais ousado, um teor fetichista e um certo contorno não-realista. Hanako, representada por Nozomi Ando, é uma menina de 17 anos que assina um contrato com três homens: ela passa a ser, por um ano, uma espécie de escrava sexual, tendo que satisfazer os seus caprichos e fetiches de seus “donos”, até que ela complete 18 anos. Não fica muito claro a troco de quê: a princípio, pensamos que se trata apenas de dinheiro, mas ao longo do filme a relação de Hanako com os três homens vai se tornando mais complexa, à medida que esses homens também evidenciam seus fetiches e suas carências afetivas para Hanako. Plasticamente, é sem dúvida o filme mais bem-sucedido de Hiroki: não tão preso aos diálogos, Hiroki pôde desenvolver de forma mais rica sua cinematografia em relação ao enquadramento, ritmo e especialmente ao som. Os silêncios, mais presentes na casa em que os quatro personagens estão imersos, são preenchidos com sons que são pura dramaturgia, ora irônicos (sinos, passarinhos) ora realistas. Outro exemplo é quando Hanako traz para essa casa uma cigarra, que ganhou de presente de uma amiga da escola, e é presa numa gaiola, mas cujo som natural preenche de forma presente todo o ambiente. Um tom de perversão sofisticado domina o filme, lembrando (a grosso modo) o cinema de Fassbinder (com o rigor do enquadramento e a precisão marcada do movimento dos personagens dentro do quadro) ou mesmo da literatura de Sade. Mas a carga fetichista e erótica provocativa aos poucos vai cedendo espaço para o drama sobre uma carência afetiva, que é a marca do cinema de Hiroki. Hanako assume sua condição de forma muda, e essa é a principal diferença em relação às personagens desequilibradas de Shinobu Terashima. Trocando sua protagonista de uma mulher de trinta e poucos anos para uma adolescente de dezessete, Hiroki dialoga com um conjunto de filmes do cinema japonês que mostra a descoberta da sexualidade e a investigação delicada do universo dos jovens, como os de Shiota e Iwai, entre outros.
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