(Fest Rio 7)
Juventude em Marcha
De Pedro Costa
Espaço Unibanco 3 sex 19hs
*** ½
Diante do novo filme de Pedro Costa temos uma reação de espanto: pois todo o rigor, toda a proposta de fazer um cinema de ponta não conseguem abafar um profundo sentimento pelos personagens, pelas mínimas oscilações de tempo e luminosidade como reflexos da alma, e em fazer um filme doce, o que no fundo esse Juventude em Marcha o é. Recentemente li em algum lugar que Pedro Costa falou em Cannes que filma em digital para poder “perder tempo” e não “ganhar tempo” como a maioria dos realizadores justifica sua escolha pelo formato. A beleza do cinema de Pedro Costa é exatamente esta: a possibilidade de “perder tempo” num mundo cada vez mais obcecado pelas técnicas de financiamento (onde eu trabalho a expressão da moda é “business plan”) e estrangulado pelo ritmo do cinema hollywoodiano, pela televisão, ou ainda pela publicidade e pelo videoclipe.
A política de Pedro Costa é acima de tudo uma política da imagem, ainda que a presença dos excluídos (minorias étnicas, raciais, sociais, etc) esteja o tempo todo em primeiro plano no filme. Entre Cabo Verde e Portugal, o cinema impuro e numérico de Pedro Costa é o cinema do subdesenvolvimento, um cinema imperfeito e mágico. Distante, Ventura recita a um de seus filhos uma carta para enviar à sua amada. Distantes a amada e a própria possibilidade do envio da carta, só resta ao filho de Ventura a carta como ato de potência. A escrita passa a ser um corolário inverso da fugacidade da memória, ou ainda da necessidade de resistência.
Nitidamente devedor à estética dos filmes de Straub, na radicalidade do discurso, na ênfase em planos fixos e na forma particular como se exercita a oralidade, Juventude em Marcha também é particular i) na forma como reorganiza o espaço a partir do enquadramento, ii) em como esse quadro geralmente fixo se reorganiza através da luz e da penumbra (valorizado pelo digital), e iii) na forma como o tempo é livremente trabalhado no filme a partir da forma esparsa como se ilustra para o espectador os mínimos dados sobre um possível plot e sobre o papel da memória.
A câmera fixa, o tom austero de Juventude em Marcha logo são contrastados por um movimento de espírito que ilumina o filme e que provoca esse maravilhamento em quem embarcar em seu transe. O filme de Pedro Costa também é, num certo sentido repleto de movimento: movimento de alma, movimento do vento, movimento do pensamento, que insiste em não cessar. Misto entre documentário e ficção, entre tempo e espaço, é por isso síntese dos percursos atuais de um cinema contemporâneo, sem deixar de lado sua opção quase radical em não abrir concessões às superfícies da imagem e às exigências do filme como um produto. Doce e romântico à sua maneira, seco e austero como obra de resistência, Juventude em Marcha é um filme maior, provavelmente à frente do seu tempo, cujo impacto ainda há se ser medido.
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