Um Dia no Campo

Um Dia no Campo
De Jean Renoir
Telecine Classic, ter 22 março 21hs
***

Inacabado filme do mestre Renoir, Une Partie de Campagne acabou se tornando um média metragem dos mais badalados pela sua sutileza, pela sua poesia. E é isso mesmo, passou de imediato a ser um de meus filmes favoritos do diretor, apesar de certamente não ser um trabalho tão ambicioso quanto os clássicos A Regra do Jogo ou A Grande Ilusão. É um filme menor, mas mostra a maestria de Renoir na arte da direção cinematográfica. O grande diretor, como todos sabemos de cor, não se revela simplesmente por como se conta a história, mas como ele imprime um TOM ao filme de modo que apresente o seu olhar como artista, ou como gente, e também o grande diretor se revela na forma como ele encena a sua história, em como posiciona a câmera e os demais elementos de linguagem para desenvolver seu olhar.

E Um Dia no Campo é exatamente isso: a história, de uma família parisiense que vem passar um final de semana no campo e se encanta com o clima bucólico da região, e como duas mulheres – mãe e filha – se encantam por moradores locais, é muito simples, pouco digna de nota. Mas como Renoir vai encenar essa história é que a torna extraordinária. Todo um clima de melancolia, todo um clima bucólico, todo um sentimento de fragilidade em torno dessas personagens femininas incompreendidas vai sendo construindo a partir do tempo e do espaço, do puro cinema. O filme TODO se passa em externas, com grandes desafios técnicos. Renoir coloca trilhos e carrinhos no meio da mata alta, e nos anos trinta imagino as dificuldades técnicas que ele deve ter enfrentado (será que o filme tem luz artificial? Acho que na época os negativos não tinham tamanha sensibilidade...). O cenário é quase impressionista, mas Renoir consegue um retrato íntimo desses personagens muito sutil e muito poético, através da relação desses personagens com o espaço cênico em expansão.Um passeio de barco, um ninho de passarinhos, um olhar para o lago à procura de peixes, um apanhar de cerejas no pé, exprimem toda uma visão de cinema. Visão esta intimamente ligada a um realismo da encenação, com uma profundidade de campo que une numa relação umbilical esses personagens a esse espaço, a esse campo de visão, que liga os “locais” e os “forasteiros”, ou ainda os homens e as mulheres, o amor e o sentido de dever. O enlace amoroso dos dois amantes sobre a relva é antológico: ele a agarra pela cintura quase à força, ela chora ao ouvir o cantar de um passarinho (ou seria só por isso?). a sustentação do clima bucólico é impossível, numa Paris do entreguerras que caminha para uma perda da inocência irreversível. Um Dia no Campo, herdeiro de Gente no Domingo (o belo filme alemão de Siodmak e Ulmer), fala da derrota de uma aristocracia do fim de século francesa. Os comerciantes muito ocupados não têm espaço para a poesia: esta é a conclusão romântica e ingênua do filme de Renoir. Mas o cinema, a encenação, a intimidade e a suavidade de seu olhar como artista resistem ao tempo, e tornam esse filme uma verdadeira delícia para quem realmente vive e cultiva esse troço chamado cinema.

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