Cabra-Cega

Cabra-Cega
De Toni Venturi
CCBB ter 15 março 18:30
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Cabra-Cega é um projeto de continuidade com Latitude Zero, o filme anterior de Venturi, seja na situação-limite do tema, na claustrofobia e na contenção cênica, ou na ambição psicológica dos personagens. Mas enquanto Latitude propunha um trabalho de linguagem próprio, inventivo, que desse modo tentava uma imersão, um mergulho radical no espírito de seus personagens (ainda que o filme não solucionasse suas questões a contento), Cabra-Cega acaba sendo superficial porque se baseia nos clichês desse tipo de abordagem (o herói martirizado, a ditadura brasileira, a repressão ao regime, etc) e não permite nenhum tipo de olhar mais humano ou mais profundo sobre as contradições e sobre o Brasil da época.

Não é que o filme em sua linguagem não tenha um interesse. Até tem, com uma câmera e uma fotografia que se esforçam para dar um look documental (a câmera na mão, a fotografia granulada, a filmagem em locação, o jump cut e o corte dentro da cena, etc), mas a direção tem muita dificuldade, seja em implementar um ritmo seja principalmente em encontrar o TOM que se quer dar à história.

Passado quase todo dentro de um apartamento, num tempo de espera em que o “guerrilheiro” espera um “sinal verde” para voltar à luta, enquanto se recupera de um ferimento e deixa a “poeira baixar”, Cabra-Cega poderia ser um estudo dessa intimidade, desse deslocamento da ação em si, ou até mesmo da passividade do Homem ante o destino (O Pianista do Polanski mesmo com todos os problemas tinha esse olhar...), mas o cinema de Toni Venturi é tão básico, ou banal, que sua linguagem é muito primária, e ele só consegue buscar o plot, as ações pequenas do personagem que quase o levam à loucura dentro daquele aposento mas que em nenhuma medida procuram um olhar sobre aquele esconderijo. Ou seja, vemos ele fumando muito para mostrar nervosismo, sua dificuldade de se locomover, a campainha que toca, mas sempre num sentido de plot, de desenrolar da história, de roteiro, e nunca de um olhar humano sobre essa rotina que nunca cessa. Por isso, o filme é cheio de planos subjetivos e de sons que reforçam seu caráter alucinatório (sem falar nos flashbacks subjetivos, ou quando ele imagina o que está acontecendo com sua namorada, que é absolutamente tosco), recurso simples que tenta mostrar forçadamente, desengonçadamente, ao espectador como aquele cara está quase ficando doido sem poder sair dali.

O filme é muito desastrado na inserção da personagem feminina. Ela “traz uma luz” àquele personagem seco, racional. Isto é, ela é uma oportunidade para uma “humanização” da revolução. E tome todos os clichês do tipo (ele não tem tempo para mulheres, ou qdo ela fala “como você quer fazer uma revolução se você não conhece a tristeza do Homem”, etc etc). Com isso, o filme insere personagens completamente sem individualidade, apenas estereótipos, representantes de classe (a classe média alta que ajuda mas não quer se envolver muito, a classe popular que participa mas não é bitolada, o líder revolucionário radical e seco mas boa gente, etc), acabando caindo em todos os clichês desse tipo. O filme é cheio de música no sentido mais banal para reforçar os sentimentos de vitimização das pessoas, com a inserção de músicas-emblemas da época (Sinal Fechado, Construção) de forma absolutamente banal.

Com isso, Venturi, cheio de boas intenções, parece não perceber que seu filme sobre a ditadura acaba soando direitista. Por que toda a radicalidade de seu protagonista acaba sofrendo um amaciamento ao longo de todo o filme, e no final o filme nos soa como uma história de amor ou sobre a sobrevivência. Toda a violência da época acaba descontextualizada, até porque eles desistem da segurança e fazem piquenique no terraço, etc (isto é, a vida deve ser vivida, carpe diem, ou seja, a individualização, o que é exatamente contra a utopia revolucionária do filme). Etc etc etc.

Por último, no debate após a sessão, Venturi fez aquele discurso ensaiado que o filme vai contra a boçalidade reinante e fala sobre o Brasil, sobre a História, sobre um período sofrido, etc, etc. Ou seja, é um “filme válido”. Então que ele fizesse um documentário para o GNT. Eu, particularmente, estou cagando para “os filmes válidos”. Fodam-se os filmes válidos. Os “cineastas” brasileiros têm que ver mais filmes argentinos: El Bonaerense e La Cienaga sim são filmes políticos, sobre uma Argentina, mas sem esse primarismo elementar. A chave continua sendo essa: neguinho que fazer “cinema brasileiro”, pensando mais no “brasileiro” do que no “cinema”. Ainda cheio de boas intenções, Cabra-Cega nada acrescenta em relação ao desvelamento de um Brasil, ao tema da ditadura, está longe de ser cinema, está longe de ser humano com seus personagens. A se destacar por fim, o esforço de Débora Duboc e especialmente Leonardo Medeiros nos papéis principais.

Comentários

Anônimo disse…
Achei essa resenha absolutamente equivocada, falando sem propriedade e sem acrescentar nada sobre um filme. Discordo completamente que o filme tenha falta de um toque humano.

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