La falta

 La falta

de Carmela Sandberg


 

        Na seleção de curtas sul-americanos do 3º Bonito Cine Sur 2025, um curta argentino despertou minha atenção por sua ousada sensibilidade: La falta, de Carmela Sandberg.

        O plot desse curta poderia nos lembrar o momento-chave da primeira parte de Central do Brasil: uma criança sem rumo diante do fato da súbita morte de sua mãe. No entanto, o curta argentino apresenta essa situação drástica de maneiras muito diferentes do filme de Walter Salles: não há nenhum encontro inesperado ou chave social em torno da estação de trem ou dos imigrantes nordestinos. Não há a plasticidade da fotografia de Walter Carvalho ou qualquer chave emocional relativa ao melodrama. As estratégias de Sandberg, ao contrário, produzem um estranhamento que gera um efeito quase de suspense ou ainda de suspensão. O curta de Sandberg está muito menos perto do cinema de lágrimas latino-americano e muito mais próximo de estratégias como a de Rosetta dos Dardennes ou de um cinema romeno como o de A morte do senhor Lazarescu.

          Nesse recorte quase surrealista em que o absurdo toma conta do cotidiano, não existe tampouco o clima do terror por trás do banal dos filmes-de-caixote como os de Juliana Rojas, Marco Dutra e Caetano Gotardo. A câmera na mão, a opção radical pelo fragmento, não transformam o curta num conto sobre o fantástico mas instalam o espectador num clima claustrofóbico em que o absurdo contamina os tridentes do tempo. Uma espécie de desespero, de encurralamento e de esvaziamento dos sentidos narrativos exasperam pelas bordas do quadro.

É quando surge o título. A que “falta” o título se refere? Talvez a falta de sentido do próprio mundo que contamina a estrutura narrativa desse filme interrompido. A vida que está no extracampo: o acidente da mãe, a polícia, o mundo todo lá fora. Nessa espécie de huis clos, a criança desenha, à espera de algo que nunca virá: alguma resposta, alguma saída, alguma centelha de desejo. A escola, a polícia, o diretor... as instituições não conseguem acolher a criança que pulsa e fica claro o desejo que essa criança simplesmente se vá. Um ruído que abala a normalidade cartorial das instituições. Pelo menos a menina ganhará algum doce para se aquietar. Essa criança sem rumo demonstra o nosso desespero diante de um mundo indiferente. A forma inventiva como a jovem diretora encenou essa questão tão pungente é surpreendente pela sua coerência.


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